§ V. DA VIRGINDADE
São
Cipriano (De disc. et hab. virg.) denomina a multidão de virgens que se
consagram ao amor de seu Divino Esposo, de "a mais nobre porção da Igreja
de Cristo". Vários outros Santos Padres, como Santo Efrém, Santo Ambrósio,
Santo Agostinho, São Jerônimo, São Crisóstomo, escreveram livros inteiros em
louvor da virgindade.
Não é
minha intenção expor aqui todos os méritos e vantagens que adquirem as pessoas
que consagraram a Deus sua virgindade; disso tratarei extensamente no capítulo
IV da III parte, que trata do voto de castidade [que reproduzimos logo abaixo].
Aqui farei seguir, simplesmente, uma instrução para os que levam uma vida
virginal sem terem emitido o voto de castidade.
As almas
virgens são extraordinariamente belas aos olhos de Deus: "Serão como os
Anjos de Deus no Céu" (Mat 22, 30). Barônio conta que na morte de uma
virgem, chamada Geórgia, uma multidão de pombos adejavam ao redor da casa e,
quando seu cadáver foi transportado à igreja, pousaram no teto, exatamente em
cima do lugar onde se achava o caixão, e daí não se retiraram até ser sepultada
a piedosa virgem (An. 480). Essas pombas certamente eram Anjos, que queriam
prestar as últimas honras àquele corpo virginal.
As almas
virginais, que renunciaram ao casamento para se dedicarem exclusivamente ao
amor de Jesus Cristo, tornam-se esposas do Filho de Deus. Nos Santos
Evangelhos, Jesus Cristo é chamado Pai, Mestre, Pastor das almas; referindo-se
às virgens, porém, dá-Lhe o nome de Esposo: "Elas saíram a receber o
Esposo e a Esposa" (Mat 25, 1). Por isso, tinha razão Santa Inês,
respondendo, segundo Santo Ambrósio, aos que lhe ofereciam a mão do filho do
prefeito de Roma: "Ofereceis-me um esposo? Já encontrei um muito
melhor" (De virg., 1.. 1). Semelhante resposta deu Santa domitila, sobrinha
do imperador Domiciano, aos que queriam persuadi-la a casar-se com Aureliano:
"Dizei-me: a quem deveria escolher por esposo uma jovem pedida em
casamento por um monarca e por um camponês? Para casar-me com Aureliano, teria
de renunciar ao Rei do Céu. Ora, isso seria uma loucura inominável, que nunca
praticarei". E, firme nessa resolução, deixou-se queimar viva, para poder
permanecer fiel a Jesus Cristo, a Quem consagrara sua virgindade.
Quem
poderá imaginar a glória que Deus reserva a Suas castas esposas lá no Céu? Os
teólogos são de opinião que no Céu existe uma glória especial reservada às
virgens, uma coroa ou alegria particular, de que estão privados os outros
Santos.
Mas,
dir-me-á uma ou outra jovem: 'Ora, casando-me também poderei santificar-me'.
Não receberás a resposta da minha boca, mas da de São Paulo, que te dirá também
a diferença que existe entre as virgens e as casadas: "A mulher virgem
pensa nas coisas que são do Senhor, para que seja santa no corpo e no espírito.
Mas, a que é casada, pensa nas coisas que são do mundo, em como agradar ao
marido. Em verdade, digo isso para vosso proveito... para vos exortar ao que
vos convém e vos facilita a orar ao Senhor sem embaraço" (I Cor 7, 34).
Deve-se,
pois, notar que as casadas, sem dúvida alguma, podem ser santas segundo o
espírito, ao passo que as virgens, que amam a Deus, o são de corpo e espírito.
Tome-se também em consideração estas palavras: "O que facilita servir a
Deus sem impedimento". Quantos impedimentos não encontram as casadas na sua
tendência à santidade! E esses obstáculos são tanto maiores, quanto mais
elevada a sua condição [social].
Para nos
fazermos santos temos de empregar os meios e, antes de tudo, nos consagrar à
oração mental, receber amiúde os Santos Sacramentos, e pensar sem interrupção
em Deus. Ora, quando uma senhora casada achará tempo para cuidar naquilo que é
do Senhor? Ela se ocupará com as coisas deste mundo, diz São Paulo, cuidará em
agradar a seu marido, olhará pelas necessidades de sua família, pelo seu
sustento e vestes, vigiará a educação de seus filhos, atenderá aos parentes e
amigos, pensará continuamente nos seus afazeres; seu coração ficará assim
dividido entre seus filhos, seu marido e Deus. Como encontrar tempo para se
entregar a longas orações mentais, para receber muitas vezes a Comunhão, se nem
lhe resta tempo para cuidar de todas as obrigações de sua casa e estado? O
marido quer ser atendido, os filhos gritam e choram, querendo mil coisas
diversas. Como meditar entre tantos cuidados e perturbações? Muitas mães de família
nem mesmo aos domingos podem ir à igreja. É verdade, ela pode conservar a sua
boa vontade, mas sempre lhe será custoso cuidar, como convém, do que é do
Senhor. Não há dúvida de que pode adquirir grandes merecimentos em razão de
tais provações, entregando-se à Vontade de Deus que, em tais condições, não que
mais do que um sacrifício perene de resignação e paciência; mas, no meio de
tantas distrações e tribulações, é quase impossível, é mesmo heroísmo, praticar
a virtude da paciência e conformidade, sem o exercício da oração e a recepção
dos Sacramentos... Mas, prouvera a Deus que as senhoras casadas nada mais
tivessem a deplorar que a falta de tempo necessário para seus exercícios de
piedade.
As más
condutas do marido, os desgostos causados pelos filhos, os negócios da casa, as
molestas atenções que se devem à sogra e aos cunhados, as suspeitas, as
inquietações de consciência quanto à vida conjugal e educação dos filhos, tudo
isso origina um mar de tribulações, no qual passam sua vida entre suspiros e
lágrimas. E felizes se conseguirem salvar sua alma e alcançarem de Deus a graça
de não deixarem o inferno desta vida para se precipitarem no inferno eterno!
Esta é a bela sorte das jovens que se consagram ao mundo... [grifo do
original]
Mas,
entre tantas mulheres casadas, não haverá uma só que se santifique? Sim,
existem também Santas casadas. Porém, quais são estas? As que se santificam
pelo martírio, que sofrem tudo por amor de Deus, com uma paciência que nada
abala. Mas, quantas se elevarão a tal perfeição? Ah! Mui poucas. E se
encontrares uma tal, verás que deplora amargamente ter escolhido o partido do
mundo, tendo podido, com tanta facilidade, consagrar-se a Jesus Cristo.
Verdadeiramente
felizes são aquelas virgens que se consagram por inteiro e exclusivamente ao
seu Divino Salvador. Estas estão livres dos perigos em que se achão as casadas.
Seu coração está desembaraçado do apego aos filhos e marido, aos bens
transitórios, ao luxo vão ou a outras coisas do mundo.
E,
quando as mulheres casadas se vêem obrigadas a empregar muitos cuidados e
grandes somas com seu traje, para aparecer ao mundo à altura de sua posição e
agradar a seu marido, a virgem que se consagrou a Jesus Cristo se contenta com
um vestido simples e desataviado, pois, do contrário, daria escândalo. Todos os
seus pensamentos e cuidados tendem a agradar a Jesus, a quem dedicou seu corpo,
sua alma, seu amor todo. Assim, possui ela também mais liberdade de espírito
para pensar em Deus e mais tempo para se entregar à oração e receber os Sacramentos.
Se não
te sentes chamada, alma cristã, ao estado conjugal, nem ao religioso, mas
desejas fazer-te santa no mundo, como verdadeira esposa de Jesus Cristo, toma a
peito os seguintes conselhos: Para a santificação, não é suficiente que uma
virgem traga ilibada a sua pureza e use o nome de esposa de Jesus Cristo; é
preciso também praticar as virtudes de uma esposa de Jesus. No Evangelho é o
reino dos Céus comparado a umas virgens. Mas que virgens? Às virgens prudentes
e não às loucas. Aquelas foram introduzidas na sala das núpcias; a estas foi a
porta fechada e ouviram do Esposo: Não deixais de ser virgens, mas eu não vos
reconheço por esposas minhas. As verdadeiras esposas de Jesus seguem o Esposo
para onde quer que Ele vá (Apoc 14, 4). que quer dizer seguir o Esposo? Santo
Agostinho explica que é prender-se a Ele (De s. virg., c. 7). Depois de Lhe
teres sacrificado teu corpo, deves ainda consagrar-Lhe todo o teu coração, de
tal forma que só te ocupes em amá-lO. Para isso, deves empregar os meios para pertencer
exclusivamente a Ele.
O
primeiro é a oração mental, a que te deves dedicar com todo o zelo. Não julgues
que, para isso, é necessário se recolher a um convento ou passar todo o dia na
igreja. Não há dúvida que em uma casa de família há barulho e perturbações de
pessoas que entram e saem; mas quem tem boa vontade encontra sempre jeito e
tempo para fazer suas orações; por exemplo, de manhã, antes de se levantarem as
pessoas da casa, ou de noite, depois de já se terem recolhido. Também não se
requer que se esteja sempre de joelhos; podem-se recitar as orações durante o
trabalho ou caminhando; basta elevar o pensamento a Deus, pensar na Paixão de
Cristo ou meditar sobre qualquer outro assunto devoto.
O
segundo meio é a recepção assídua dos santos sacramentos da Penitência e
Eucaristia. (....) Quanto à Comunhão, não é muita coisa se for recebida só por
obediência; deve-se ter desejo dela, e pedi-la. Esse Divino Pão quer ser
desejado e que se tenha fome dEle. A Comunhão é que faz com que as esposas de Jesus
permaneçam fiéis a seu Divino Esposo, já que a Ela devem em especial a
conservação de sua pureza. Este Divino Sacramento conserva na alma toda espécie
de virtudes, sendo, porém, seu efeito principal, conservar ilibado o lírio da
virgindade, dando-Lhe o profeta, por isso, o nome de "nutrimento dos
escolhidos e vinho que gera virgens" (Zac 9, 17)..
O
terceiro meio é o recolhimento e a vigilância. O Divino Esposo compara Sua
esposa com um lírio entre os espinhos (Cânt 2, 2). Uma donzela que quer viver
na sociedade, entre divertimentos e distrações mundanas, não poderá permanecer
fiel a Jesus Cristo. Deve, pelo contrário, estar sempre circundada dos espinhos
da abstinência e mortificações, e guardar, em especial no trato com homens, a
maior reserva, e rigorosa modéstia dos olhos e palavras e, mesmo, se
necessário, mostrar-se austera e descortês.
Os
espinhos são o que protegem os lírios, isto é, as virgens; sem eles, perder-seão
em pouco tempo. O Senhor compara a beleza de Sua esposa com a da pomba (Cânt 1,
9). Por quê? Porque a pomba, por instinto natural, evita a companhia dos outros
pássaros. Assim, uma virgem é bela aos olhos de Jesus, se leva uma vida
retirada e se se esconde, quanto possível, aos olhos do mundo.. São Jerônimo
diz (Ep. ad Eust.) que o Esposo das almas é cioso. Desgosta-se muito, por isso,
de uma virgem que, depois de se haver consagrado ao Seu amor, gosta de
mostrar-se e procura agradar aos homens.
Pessoas
verdadeiramente virtuosas preferem desfigurar-se a si mesmas a tornar-se
objeto de amor criminoso. Se, por desgraça, acontecer tornar-se uma virgem
vítima de uma violência qualquer, sem culpa sua, não deve inquietar-se com
isso, já que sua pureza não fica alterada. Foi o que Santa Lúcia respondeu ao
tirano que a ameaçava de entregá-la ao prostíbulo: "Se eu for desonrada
contra minha vontade, receberei uma coroa dupla". Com razão se diz: Não o
sentimento, mas o consentimento fere a alma. Além disso, podemos ficar
convencidos que uma virgem modesta e reservada saberá também fazer-se respeitar.
O quarto
meio é a mortificação dos sentidos. Uma virgem que quer conserva-se pura, diz
São Basílio, deve ser pura na língua, falando sempre com decoro e, se for
necessário tratar com homens, só dizer o indispensável; pura nos ouvidos,
evitando ouvir conversas mundanas; pura nos olhos, conservando-os fechados ou,
ao menos, baixos, quando na companhia de homens; pura no tato, usando do máximo
cuidado quanto aos outros e quanto a si mesma; pura principalmente no espírito,
esforçando-se por resistir aos maus pensamentos, recorrendo a Jesus e Maria.
Para
conseguir isso, é preciso que ela mortifique seu corpo com jejuns e outras
penitências. Jesus Cristo é um 'Esposo de Sangue' (Ex 4, 26), que desposou
nossa alma na ara da Cruz e, por amor dela, derramou até a última gota de
Sangue. Por esse motivo, Suas esposas suportam angústias, doenças, dores, maus
tratos e injúrias, não só com paciência, mas até com alegria. Assim deve-se
entender o texto da Escritura, que diz: "As Virgens seguem o Cordeiro para
onde quer que Ele vá" (Apoc 14, 4). Elas seguem jubilosas e cantando a
Jesus, seu Divino Esposo, mesmo no meio dos opróbrios e penas, a exemplo de
milhares de virgens que foram ao encontro da morte e das torturas, cheias de
alegria.
Finalmente,
deves recomendar-te instantemente a Maria, a Rainha das Virgens, se quiseres
perseverar no teu estado de virgindade perpétua. Ela é que prepara e conclui a
união das almas com Seu Divino Filho; Ela que alcança para essas almas
escolhidas a graça da perseverança, pois, sem a Sua assistência, todas
tornar-se-iam infiéis.
Vós, que
ledes estas linhas, -dirijo-me àquelas que se sentem chamadas pelo Divino
Esposo a renunciar ao Matrimônio -vós, que quereis pertencer a Jesus Cristo,
não vos obrigueis desde logo por um voto, nem façais, logo no começo, o voto de
castidade perpétua; fazei esse voto quando Deus vo-lo inspirar e o confessor o
permitir. Aconselho-vos, porém, que agradeçais a Jesus Cristo, vos ter chamado
a Seu especial amor, e vos ofereçais ao Senhor como coisa que Lhe é consagrada
e própria para todo o sempre. E, por isso, dizei-Lhe assim: Ó meu Jesus, meu
Deus e Salvador, que por mim morrestes, perdoai-me se também eu ouso chamar-vos
meu Esposo. Ouso porque vejo que Vos agrada chamar-me a essa honra. Essa graça é
tão grande, que não Vo-la posso agradecer suficientemente. Eu merecia estar
agora ardendo no inferno, porém, em vez de me castigar, escolheis-me para
esposa Vossa. Pois bem, meu Divino Salvador, eu renuncio ao mundo, eu renuncio
a tudo por amor de Vós e a Vós me entrego inteira e irrevogavelmente. De hoje
em diante sereis meu único bem, meu único amor. Vejo que quereis possuir meu
coração inteiro: ei-lo, entrego-o sem restrição. Aceitai meu sacrifício e não
me repulseis como eu mereceria. Esquecei-Vos de todas as ofensas que Vos tenho
feito até hoje: detesto-as de todo o coração. Ah! Tivesse eu morrido antes de
Vos haver ofendido! Perdoai-me em Vosso amor, e concedei-me a graça de Vos
permanecer fiel e nunca mais Vos abandonar. Vós, ó meu Esposo, Vos entregastes
todo a mim; eis-me aqui, eu também quero entregar-me toda a Vós. Ó Maria, minha
Rainha e minha Mãe, prendei meu coração ao Coração de Jesus Cristo; ligai-me
tão fortemente a Ele, que nunca mais possa desprender-me de Vosso Divino Filho.