OS SANTOS E OS DIABOS
Já por
várias vezes me foi perguntado, durante entrevistas
televisas ou jornalísticas, que meios especiais tem de ter
um exorcista, que meios são utilizados para libertar
endemoninhados. E talvez tenha desiludido os entrevistados
ao responder que o exorcista não tem nenhuma qualidade
particular, nenhum meio extraordinário; a sua força está no
nome de Jesus.
É tão
bela a declaração que Pedro faz em frente ao Sinédrio,
quando é preso – repare-se no enorme delito! – por ter
curado um coxo. Que força usou Pedro? Qual era o seu
misterioso poder? Pedro proclama em voz alta: “É pelo
nome de Jesus Cristo que este homem está curado diante de
vós. Não existe salvação em nenhum outro, pois debaixo do
céu não existe outro nome dado aos homens, pelo qual
possamos ser salvos” (At 4,10-12).
“Em
meu nome expulsareis os demônios”
Todos
nós, exorcistas, presenciamos a força da invocação daqueles
aspectos da Paixão de Cristo, sobre cujo valor
salvífico a Bíblia tanto insiste. Por isso, experimentamos a
eficácia de invocar a força do Sangue de Jesus, das Suas
chagas, das Sua cruz, da Sua morte e ressurreição, do Seu
lado aberto.
Invocamos de mais o Espírito Santo,
porque nada acontece que não seja por obra do Espírito
Santo. E invocamos a Virgem Santíssima, aquela
que esmaga a cabeça de Satanás e que intercede todas
as graças.
Se
ainda existem alguns teólogos que não acreditam na meditação
universal de Maria, ou seja, que ela é a mediadora de todas
as graças, que se meta a fazer exorcismos e verificará
pessoalmente esta verdade. Temos o auxílio dos anjos e dos
arcanjos, em particular de São Miguel, príncipe das
legiões celestes. E temos o auxílio dos santos,
muitas vezes de surpresa.
Já por
várias vezes tive casos de possessão diabólica que se
resolveram também as graças à intercessão de um santo
que nunca tinha sido invocado, e de quem os presentes não
eram especialmente devotos, mas que, bem no meio de um
exorcismo, fazia sentir a sua presença; e a partir desse
momento passava a ser invocado para resolver o caso.
Mas há outro aspecto, a respeito dos santos, que
quero destacar. Posso iludir-me, mas gostaria muito de
estimular os estudos históricos que ainda estão por se
realizar.
Gostaria também que se escrevesse uma outra história,
a da luta entre os santos e os diabos, ou seja,
a luta contínua que houve entre eles e que diz
respeito a dois aspectos muito interessantes. Por um lado,
os tormentos que os demônios infligiram aos santos, as
perseguições e, freqüentemente, as torturas cruentas.
Por
outro lado, as vitórias dos santos; e dentre
estas vitórias é lógico que, como exorcista, eu tenha,
sobretudo ficado impressionado pela freqüência e pela
facilidade com que os santos libertam pessoas
endemoninhadas. São episódios freqüentíssimos,
historicamente comprovados, que lemos na vida dos santos de
todos os tempos.
Também
durante os três séculos em que a Igreja católica quase pôs
de lado os exorcismos - motivo pelo qual, atualmente, nos
encontramos com escassez de exorcistas e carências na sua
formação -, sempre houve santos libertando pessoas
endemoninhadas. Olhando para trás gosto de recordar
São Bento, que não era exorcista, e
provavelmente não era sequer sacerdote; no entanto,
a sua eficácia contra o demônio era tão forte que o Papa
Honório III o proclamou patrono dos exorcistas; ainda hoje é
muito conhecida e usada a sua medalha de proteção contra o
Maligno.
Se
olho para tempos mais recentes, gosto de recordar São
João Bosco, quer por causa dos tremendos assaltos demoníacos
de que foi vítima, quer pela sua eficácia em
libertar as pessoas, por vezes só com a sua presença. Cito
um caso, ocorrido em finais de sua vida, no dia 4 de junho
de 1885: o superior de uma comunidade religiosa de Caem
mandou ao Padre Bosco uma jovem atingida por uma gravíssima
possessão demoníaca. Nesse período, não havia a certeza se o
Padre Bosco iria celebrar missa devido ao seu estado de
saúde. Mas nessa manhã celebrou. No fim dos rituais
introdutórios, ou seja, ainda no começo da missa, aquela
pessoa sentiu-se inteiramente liberada.
No que respeita às minhas experiências não posso
deixar de fazer referências ao Padre Pio.
Padre
Pio, um grande lutador
O Padre Pio
me ajuda, continuamente, no duro mistério de exorcista, fiel
a uma velha promessa, que tem mais de quarenta anos.
Quem conhece a vida do Padre Pio sabe
bem o quanto o ele teve de lutar, incessantemente, contra o
demônio; e quantos sofrimentos e vinganças diabólicas sofreu
devido ao seu ministério em favor das almas, resgatando-as
do seu poder para as entregar ao Senhor. Foi uma luta
incessante, em que se podem identificar algumas etapas
fundamentais.
Num
escrito precioso enviado as seu diretor espiritual (Padre
Agostinho de São Marcos in Lamis), o Padre Pio afirmava que
"as aparições diabólicas começaram por volta dos cinco
anos de idade e durante quase vinte anos assumiram sempre
formas obscenas, humanas, mas sobretudo bestiais".
A
primeira grande luta é narrada numa visão que se pode
situar, mais precisamente, quando Padre Pio tinha cerca de
cinco anos. A data é incerta, mas a época é essa. Nesse
episódio, ele sentiu-se convidado a lutar contra um homem
horrível e de "alma tão desmedida que tocava com a cabeça
nas nuvens".
A personagem resplandecente que estava a seu lado
(talvez São Miguel) exortou-o a lutar com aquele gigante
monstruoso, assegurando-lhe a sua assistência. O embate foi
terrível, mas o pequeno Francesco (que era o nome do Padre
Pio) levou a melhor, graças ao auxílio daquele personagem
misterioso que o tinha encorajado; um personagem misterioso
e luminoso.
O horrível gigante foi obrigado a fugir,
arrastando atrás de si "aquela grande multidão de
homens de aspectos horríveis, no meio de urros, blasfêmias e
gritos de atordoar". Este foi apenas o início, uma
visão profética daquilo que viria a ser a sua vida. As
frases entre aspas são todas do Padre Pio.
Tal episódio, que Padre Pio sempre considerou muito
significativo, terminou com as palavras do personagem
luminoso: "Aquele contra quem combateste há de voltar
a atacar. Combate como um valente; eu ajudar-te-ei sempre,
de maneira a que consigas prostrá-lo todas às vezes".
Embora
os tormentos diabólicos nunca tenham cessado, mesmo nas
formas visíveis e extraordinárias, parece-me possível fixar
uma segunda etapa significativa, quando Padre Pio foi
enviado para Venafro, em outubro de 1911. Era então um jovem
sacerdote, pois foi ordenado no dia 19 de agosto de 1910;
tinha de se preparar, ele e mais alguns confrades, para o
ministério da pregação.
Mas
obedecia com tanta freqüência que, por vezes, nem sequer
podia celebrar missa. O maligno aparecia-lhe "sob a
forma de um gato negro e feio, ou de jovens nuas que
dançavam lascivamente, ou ainda de um carrasco que o
flagelava".
Outras vezes aparecia-lhe com o aspecto do
seu superior, ou de São Pio X, ou de outras figuras de
santos; até com o aspecto do anjo da guarda, ou de Maria
Santíssima ou de São Francisco. Quem tem experiência
destes truques diabólicos sabe bem quão pode ser perigoso
para a alma quando o demônio procura mascarar-se de
santidade. O Padre Pio oferecia de tudo para a
salvação das almas: deste modo, compreendeu em Venafro, e no
meio de tanta luta e sofrimento, qual era a
missão sacerdotal para a qual Deus o tinha reservado.
Podemos identificar uma terceira etapa da vida de
Padre Pio em São Giovanni Rotondo. Foi aqui que,
durante cinqüenta anos de
derramamento de sangue por causas de estigmas, o
Padre Pio arrancou inúmeras almas de Satanás. Aqui
surgiu e cresceu desmedidamente o número dos seus filhos
espirituais, que depois passaram a fazer parte dos grupos de
oração. Aqui nasceu a Casa Sollievo della Sofferenza (Alívio
do Sofrimento).
E,
para além das lutas contínuas combatidas no silêncio,
várias vezes lhe foram levados endemoninhados por quem
rezou, sofreu e suportou pancadas e flagelos.
É muito difundida e já foi publicada várias vezes a
fotografia do rosto Padre Pio repleto de manchas negras;
nesse dia tinha recebido uma pessoa endemoninhada, e de
noite o demônio bateu-lhe por várias vezes com a cabeça no
chão. Ajudado pelos confrades, que acorreram ao ouvirem o
barulho, teve de ser medicado em todo o rosto e, no
supercílio, foram necessários cinco pontos de sutura.
Quando fui me encontrar com o Padre Pio pela
primeira vez em 1942, nunca pensei que iria visitá-lo
durante vinte e seis anos. Era estudante de Liceu, formei-me
em Direito e, depois, entrei na Pia Sociedade São Paulo (os
"paulinos", como são conhecidos pelo mundo). Assim que
fui ordenado sacerdote, já não me bastava ser filho
espiritual do Padre Pio. Começava também eu a ter
meus filhos espirituais, gostaria de os ter levado todos a
ele mas, entretanto, eu os recomendava.
Foi assim que obtive uma promessa. Certo dia
disse-lhe: "Meu querido padre, tenho um grande pedido
a fazer-lhe". Ele encorajou-me a falar,
inclinando-se na minha direção e mostrando-me um sorriso
largo. E foi então que me abri: "Gostaria que todos os
meus filhos espirituais fossem cuidados pelo senhor; se o
Padre Pio se encarregar deles, fico tranqüilo". Sorriu
mais uma vez e fechou os olhos para uma breve reflexão.
Depois me disse: "Sim, meu filho, está bem". E
eu: "Mas, então, todos eles nunca mais o tratarão por
Padre Pio, mas por avô Pio". Perante esta expressão riu
de bom gosto; estava realmente achando graça. No fundo, ele
será sempre e para todos o Padre Pio.
Já passaram muitos anos. Lembro-me da última vez
que o vi, no verão de 1968 (morreu no dia 23 de setembro
desse ano). Dava muita dó assistir
à sua Missa celebrada numa
cadeira de rodas, esforçando-se muito. Já não era
apenas o esforço místico de quem revivia a paixão; mas o
esforço físico de quem já não tinha forças.
Os
seus filhos espirituais, espalhados pelo mundo inteiro,
foram crescendo e continuaram a crescer depois da sua morte.
Quem hoje vai a São Giovanni Rotondo fica espantado ao ver
tanta afluência de peregrinos, muito mais numerosa do que
quando o Padre Pio estava vivo.
Pessoalmente continuei a contar com a sua ajuda e a
senti-lo próximo de mim, nos vários cargos que desempenhei.
Agora, então, desde que comecei o ministério de
exorcista, não tenho a menor dúvida de que todos os
que recorrem às minhas orações ficam logo sob a proteção do
Padre Pio, sem o saber.
Em algumas ocasiões, a presença do Padre Pio chegou
mesmo a ser sensível. Por vezes, os meus pacientes sonharam
com ele, ou viram-no a seu lado a assisti-los nos seus
sofrimentos. Em várias ocasiões, durante o exorcismo,
foi o demônio quem gritou assustado: "Rua
daqui com o frade! Não quero este frade!“. E,
depois, pressionado pelas minhas perguntas, era obrigado a
revelar que, quem ali estava presente era o Padre Pio.
Também tenho que acrescentar que desde que o meu
mestre, o padre Cândido, foi chamado pelo Pai para receber o
prêmio da glória, no dia 22 de setembro de 1992 (dia de São
Cândido e véspera da morte de Padre Pio), também me tem sido
de auxílio e a sua presença já por várias vezes me foi
acusada pelos demônios. O Padre Cândido considera o
Padre Pio um grande santo; e o Padre Pio definiu o padre
Cândido como "um sacerdote segundo o coração de Deus".
Fonte: Extraído do Livro
"Exorcistas e Psiquiatras" - Pe. Gabriele Amorth - Ed.
Palavra & Prece.