A HISTÓRIA DOS EXORCISMOS NA
IGREJA CATÓLICA
Tenho
dificuldade em abordar a história dos exorcismos na Igreja
Católica, desde Jesus Cristo até hoje.
É uma
história que ainda não foi escrita; fato que representa uma
grave lacuna. E, no entanto, é necessário procurar traçar
uma história dos exorcismos, porque só assim podemos tomar
consciência, com maior exatidão, do ponto de chegada, ou
seja, da situação presente em que nos encontramos,
nós, católicos.
Para
tal, faço uso dos estudos realizados e, sobretudo, da
conferência profunda que o meu companheiro, padre Franco
Pierini, docente de patrologia (um ramo da teologia) e
história eclesiástica, apresentou no Congresso Nacional dos
Exorcistas Italianos, que promovi em setembro de 1993. digo,
desde já, que a minha perspectiva é pastoral; por isso,
omitirei toda a grandeza necessária de citações que
caracterizam um livro científico. E peço desculpas se houver
lacunas ou inexatidões: deixo a tarefa de completar e
corrigir para aqueles que decidirem, finalmente, elaborar
uma exposição histórica sobre este tema.
Por
que motivo considero tão importante esta exposição, que
chego a apresentá-la em primeiro lugar no meu livro?
Certamente que não é para ser polêmico. O objetivo da minha
intensa atividade de exorcista é ser fiel ao mandato de
Cristo e ao bem das almas.
Para
alcançar este fim, não hesitei em dizer o que me parecia
obrigatório pessoalmente, através de todos os meios de
comunicação: livros, artigos, entrevistas televisivas,
entrevistas radiofônicas e jornalísticas. Vários bispos
amigos dizem-me que, se nestes últimos anos na Itália foram
nomeados mais de 150 exorcistas – também deve ter acontecido
o mesmo em dioceses que nunca os tiveram -, foi em parte,
graças à minha contribuição. Agradeço a Deus que assim seja.
Mas, a meu ver, estamos bem longe daquilo que o Senhor
deseja para a Sua Igreja.
Estarei exagerando? Há cerca de três séculos que, na
Igreja Católica, quase não se fazem exorcismos: no
ensino acadêmico (seminários, universidades pontifícias),
nos últimos decênios, quase nunca se fala do demônio e,
muito menos, dos exorcismos.
Atualmente temos um clero – sacerdotes e bispos – que não
tem qualquer preparação sobre este tema, salvo raríssimas
exceções. Por outro lado, o Evangelho é claro; o exemplo dos
Apóstolos é claro; a prática da Igreja, há cerca de três
séculos, é igualmente clara. E é claríssima para quem se
dedica incansavelmente a este ministério, à necessidade
imediata dos fiéis, à causa crescente procura. Veremos a
razão deste estado de coisas quando falarmos sobre o
ocultismo e sobre os doze milhões de italianos que
freqüentam magos, cartomantes e pessoas semelhantes.
Mas,
entretanto, questiono-me: qual é, hoje, a resposta dos
homens da Igreja?
Apresento um fato: que é tempo de reflexão. Uma das
transmissões televisivas em que participei e que mais me
impressionaram foi transmitida pela Raí 2 (rede italiana de
televisão), por Alessandro Cecchi Paone, no dia 18 de
dezembro de 1994.
Diante
de um público de muitos milhões de expectadores, tive a
alegre surpresa de não ser o único exorcista a participar.
Estava prevista uma ligação a Palermo, na qual, padre Matteo
La Grua, o exorcista mais conhecido da Sicília e uma das
pedras fundamentais dos exorcistas italianos, também seria
entrevistado e filmado. Estava prevista também, uma outra
participação; desta vez, de Treviso, onde seria entrevistado
o exorcista de Pordenome, monselhor Ferrucio Sutto. Inútil
dizer que ambos os exorcistas eram meus amigos.
O fato
que mais me impressionou foi precisamente o que ocorreu
durante o telefonema com Treviso. Foi filmada de costas uma
senhora que, após um série de exorcismos, tinha sido
libertada do demônio.
A entrevistada falava do seu grande sofrimento e da
felicidade que sentia por ter sido, finalmente, libertada.
Mas aquilo que mais me impressionou foram as palavras
conclusivas do marido: “Foram precisos dez anos para
que encontrássemos um bispo que acreditasse em nós e
nomeasse um exorcista que libertasse a minha mulher!”.
Dez
anos de tortura; dez anos de portas fechadas na cara, de
zombaria, de “vocês são doidos”. Dez anos que,
enquanto prosseguia com tratamentos médicos, gastaram,
inutilmente, tudo o que tinham.
Acreditam em mim, não exagero: este fato espelha a
situação da Igreja italiana neste campo. O Papa João
Paulo II, como preparação para o Jubileu, convidou para que
se fizesse um profundo exame de consciência sobre todos os
erros e faltas; e indicou, sobretudo, o período de 1994 a
1996. É necessário ter a coragem da verdade.
Procurei também informar-me sobre a situação dos outros
países, uma vez que recebo contínuos pedidos de toda a
Europa e também de outros continentes; tomei consciência de
que a situação, no que diz respeito aos católicos é, por
todo o mundo, ainda pior do que na Itália.
Pude
confirmar este fato nos Congressos Internacionais de
Exorcistas. Penso que é suficiente apresentar uma breve
panorâmica histórica, uma análise de dois mil anos, para que
possamos compreender a fase de estagnação em que nos
encontramos e de qual temos dificuldades em sair.
Premissa
Quero
que fiquem claros os limites da minha exposição esquemática,
que diz respeito aos exorcismos na Igreja Católica, de Jesus
Cristo até hoje. Repito que se trata de uma história que
nunca foi escrita.
Não
sei como é que Triacca, que é tão especializado e de grande
credibilidade, pôde escrever no VII volume de Anamnesis: “A
história do exorcismo, nas suas várias definições, já foi
escrita”. Não é verdade. Podemos verificar nos últimos anos,
perante o desinteresse da cultura eclesiástica, o interesse
por parte da cultura popular.
Refiro-me aos quatro volumes sobre o demônio, do professor
J. B. Russel, publicados pela Mondadori e pela Laterza.
Podemos também recordar os dois volumes do alemão A. Franz
sobre as bênçãos na Idade Média, que dedica uma centena de
páginas aos textos referentes aos exorcismos. É bem pouco.
Quando falo dos limites da minha apresentação,
entendo, sobretudo, estar me referindo à ampla matéria que
aqui não trato. Antes de mais nada, não falarei da
Antiguidade.
Podemos dizer que sempre houve diabos e exorcismos.
Em todas as religiões e em todos os povos, mesmo antes dos
hebreus, dos egípcios, dos assírios e dos babilônicos,
sempre houve uma intuição da existência do espírito do mal
contra o qual era necessário defender-se, com os meios e de
acordo com a mentalidade sócio-cultural dos vários povos e
das várias épocas; de maneira que podemos dizer que sempre
houve uma ou outra forma de exorcismo. Do mesmo modo, não
falarei de como se desenvolveram os exorcismos nas religiões
contemporâneas.
Nem sequer falarei das outras igrejas cristãs,
separadas de Roma: tenho que delimitar o meu campo de
análise, infelizmente. O conhecimento das Igrejas irmãs é
exatamente importante para o diálogo ecumênico, como
veementemente sublinhou a Encíclica Utunum sint, de 25 de
maio de 1995. sobretudo, para aprender com elas e não só
para conhecê-las. A mesma Encíclica afirma, no nº 14, que
nas outras comunidades (ou seja, nas igrejas cristãs
separadas da Igreja Católica) “certos aspectos do ministério
cristão foram mesmo apresentados com maior eficácia”.
É o caso, por exemplo, da fidelidade à leitura da Bíblia por
parte do povo. E é também, freqüentemente, o caso da prática
dos exorcismos.
Na Igreja do Oriente, nunca foi aceita a
instituição do ministério do exorcizado: o exorcismo é
considerado um carisma pessoal e, para encontrar quem faça
um exorcismo, não são necessários dez anos de procura
inútil... Alguns amigos sacerdotes, oriundos da Romênia e
Moldávia, asseguram-me que em seus países, em todos os
mosteiros ortodoxos, são feitos os exorcismos: basta pedir.
É uma prática pastoral corrente, assim como no passado
acontecia na Igreja Católica.
Na
igreja Copta, só no Egito, existem quinze centros (entre
mosteiros e santuários) em que se praticam regularmente os
exorcismos. Um estudo histórico deveria, igualmente,
abranger os irmãos de reforma protestante, em particular os
anglicanos, os pentecostais, os batistas... Em relação a
eles, estamos muito atrasados; mas antigamente não era
assim. Cristo deu o poder de expulsar os demônios:
é um poder, mas é também uma obrigação de fidelidade
ao Senhor e de serviço aos irmãos.
E passo finalmente ao breve discurso histórico,
que divido em sete períodos: na vida de Cristo e dos
Apóstolos; nos três primeiros séculos; do século II ao
século VI; do século VI ao século XII; do século XIII ao
século XV; do século XVI ao século XVII; e do século XVIII
até aos nossos dias.
Os sete períodos históricos
1. Na
vida de Cristo e dos Apóstolos
O
Evangelho é claríssimo ao apresentar a luta frontal
entre Cristo e o demônio. Jesus, desde cedo, tem de
combater e vence Satanás na sua atividade corrente de
tentador: a vida pública de Jesus começa com a página das
tentações. Mas também o vence na sua atividade
extraordinária, libertando as pessoas por ele possuídas. Mas
há dois aspectos que quero destacar primeiro, a
importância desta luta, e, segundo, a sua originalidade.
O poder de Cristo sobre os demônios
é
fortemente sublinhado pelos Evangelhos e reconhecido pelos
próprios demônios. Por quê? Porque, como afirma São João,
Cristo veio “para destruir as obras de Satanás”
(1Jo 3,8); veio, como afirma o próprio Jesus, “para
destruir o reino do demônio e instaurar o Reino de Deus”
(cf. Lc 11,20), veio como dirá São Pedro a Cornélio,
“para nos libertar da escravidão de Satanás” (At
10,38). O diabo, “príncipe deste mundo” (Jo
14,30), como Jesus o chama, ou “Deus deste mundo”
(2Cor 4,4), como é chamado por Paulo, era o forte que se
sentia seguro do seu domínio; Jesus é o mais forte, que o
desarma e tira dele tudo o que tinha usurpado do Seus. A
importância desta luta direta, desta vitória total, é
fundamental para compreender a obra da redenção.
Falei
também da originalidade desta luta porque Jesus fez
determinadas escolhas e propôs determinados
ensinamentos a respeito do demônio. Não demonstrou
que estava vinculado às idéias do seu tempo, em que a
própria existência do demônio era tida como motivo: os
fariseus acreditavam na sua existência, mas os saduceus,
não.
Jesus
falou claramente da ação de Satanás contra Deus (pense, por
exemplo, nas explicações que ele próprio dá ás parábolas do
trigo e do joio e à do semeador); libertou os
endemoninhados, fazendo clara distinção entre a libertação
do demônio e a cura de uma doença (foram certos
teólogos e biblistas modernos, verdadeiros trapalhões e
traidores do Evangelho, quem confundiram e fundiram num só
os dois aspectos); concedeu este importantíssimo poder
aos Apóstolos, depois aos discípulos e, por fim, a todos
aqueles que viriam a acreditar nEle, numa crescente
doação que apenas a estupidez de uma determinada fatia da
cultura contemporânea não soube identificar, procurando
mesmo negá-la.
Os
Apóstolos continuaram a seguir as pegadas do Mestre.
Expulsaram os demônios, quer
durante a vida pública de Cristo, quer depois da Sua
ressurreição. E insistiram na luta contra o
demônio. São Pedro diz: “O Diabo, como um leão que
ruge, buscando a quem devorar. Resisti-lhe firmes na fé”
(2 Pd 5,8). São Tiago, exorta: “Resisti ao Diabo, e
ele fugirá de vós” (Tg 4,7). São João afirma:
“Sabemos que aquele que nasceu de Deus não peca; mas o que é
gerado de Deus se acautela, e o Maligno não o toca. Sabemos
que somos de Deus, e que o mundo todo jaz sob o Maligno”.
(1Jo 5, 18-19). São Paulo assegura: “Não é contra
homens de carne e sangue que temos de lutar, mas contra os
principados e potestades, contra os príncipes deste mundo
tenebroso, contra as forças espirituais do mal (espalhadas)
nos ares” (Ef 6,12).
A
Bíblia fala do demônio mais de 1.000 vezes; no Novo
Testamento, alguém calculou 568 referencias. Quem não
acredita no demônio, não compreende a obra de Cristo, engana
os fiéis e “sai do quadro de ensinamento bíblico e
eclesiástico” (Paulo VI, novembro de 1972). Todos os
Apóstolos fizeram exorcismos. E os atuais sucessores dos
Apóstolos, ou seja, o clero será que acredita?
2. Nos
primeiros três séculos
Todos os cristãos exerciam ou podiam exercer este
poder, que receberam e que hoje ainda possuem, de expulsar
os demônios em nome de Cristo. Justino afirma-o
expressamente, tal como Santo Ireneu. Deste período, queria
destacar três aspectos que considero particularmente
relevantes.
Os exorcismos tinham grande valor apologético, que
atraía os pagãos endemoninhados a dirigirem-se aos cristãos,
para serem libertados. Justino escreve: “Cristo nasceu
por vontade do Pai para salvação dos que crêem e ruína dos
demônios. Podeis convencer-vos mediante o que vedes
com os vossos olhos.
Em
todo o universo e na vossa cidade (Roma) existem numerosos
endemoninhados que os outros exorcistas, encantadores e
magos, não conseguiram curar. Muitos de nós cristãos, pelo
contrario, ordenando-lhes em nome de Jesus Cristo,
crucificado sob Pôncio Pilatos, curamo-los reduzindo à
impotência dos demônios que os possuíam” (Apologia, VI,
5-6).
Tertuliano confirma a eficácia com que os
cristãos libertam dos demônios quer os próprios cristãos,
quer os pagãos. E insiste na eficácia dos
exorcismos, não apenas sob as pessoas, mas também sob a vida
social, impregnada de idolatria e de influência maléficas. É
um aspecto bem presente nos discursos de Paulo VI e de João
Paulo II. Cito um dos três discursos de Paulo VI sobre o
diabo (23 de fevereiro de 1977):
“Não é de admirar, por isso, que a nossa sociedade se
degrade no seu grau de humanidade autêntica, à medida que
progride nesta pseudomaturidade moral, nesta indiferença,
nesta insensibilidade à diferença entre o bem e o mal, e as
Escrituras insistentemente nos avisa que o mundo (no sentido
pejorativo em que estamos a falar)
jaz
sob o poder do maligno”.
São reflexões que nos serão úteis quando passarmos ao
terceiro ponto.
Também
Cipriano insiste em afirmar o poder dos exorcismos:
“Vem ouvir com os teus próprios ouvidos os demônios, vem
velos com os teus olhos nos momentos em que, cedendo às
nossas esconjuras, aos nossos flagelos espirituais e à
tortura das nossas palavras, abandonam os corpos daqueles de
quem se tinham apoderado” (Contra Demétrio, c.15).
Insisti nesta característica apologética dos exorcismos, que
atraem os pagãos para a ação libertadora dos cristãos,
porque me parece que, atualmente, nos encontramos exatamente
na posição oposta: os cristãos já não encontram qualquer
compreensão e auxílio na Igreja, dirigindo-se aos magos, a
outras religiões, às seitas.
As
próprias palavras do exorcismo, que nos são referidas pelos
padres mais antigos da Igreja, são preciosas. Dão-nos a
impressão de terem contribuído para a formulação dos
símbolos, ou Credo. Por exemplo, o próprio Justino, no seu
Diálogo com Trifão, apresenta – nos um texto de exorcismo
muito rico: “Todo e qualquer demônio a quem se dê uma
ordem em nome do Filho de Deus – gerado antes de toda a
criatura, que nasceu de uma Virgem, fez-se homem submetido
ao sofrimento, foi crucificado pelo seu povo, sob Pôncio
Pilatos, morreu, ressuscitou dos mortos e subiu ao céus -,
todo e qualquer demônio, digo, ordenado em força deste nome,
é derrotado e subjugado”.
Por
seu lado, Orígenes, no seu texto contra Celso, é mais
extenso: “A força do exorcismo reside no nome de Jesus
que é pronunciado enquanto, ao mesmo tempo se anunciam os
fatos relativos à sua vida”. Orígenes, em comparação
com os seus antecessores, acrescenta elementos novos.
Diz-nos que, no nome de Jesus, os demônios podem ser
expulsos, não apenas das pessoas, mas também das coisas, dos
lugares, dos animais. É um conceito sublinhado e
praticado desde sempre pelos exorcistas e que, nos
documentos eclesiásticos, nunca encontrou espaço, mas que o
Catecismo da Igreja Católica (cf.nº 1673) recuperou.
Recordo, por fim, que a prática dos exorcismos foi se
desenvolvendo, desde os primeiros tempos, em duas direções:
para libertar os possessos e como parte integrante do
Batismo, no qual lhe era atribuído grande valor, porque
desse modo era ressaltado que o catecúmeno tinha sido tirado
de Satanás e dado a Cristo.
Temos uma clara ressonância dessa passagem na fórmula das
promessas batismais, muito eficazes e que devem ser
renovadas com freqüência.
Infelizmente, nesta última reforma litúrgica, o exorcismo
batismal, especialmente o das crianças, foi de tal maneira
reduzido que o próprio Papa Paulo VI manifestou publicamente
o seu desapontamento (cf. discurso de 25 de novembro de
1972). Não estava sendo respeitado esse aspecto fundamental
do Batismo, que certamente era muito vivido nos primeiros
tempos.
Os primeiros cristãos estavam convencidos de que o paganismo
era obra do demônio.
Freqüentemente ouvimos falar de sementes do Verbo: nas obras
de Justino, de Clemente Alexandrino, de Orígenes... É
necessário não esquecer que os padres da Igreja utilizam
essa expressão para se referirem aos filósofos, não às
religiões pagãs. Segundo eles, as sementes do Verbo existiam
nas grandes filosofias (Sócrates, Platão, Aristóteles), que
tendiam para o monoteísmo.
Mas
não existiam nas religiões pagãs, em que viam uma quebra da
verdadeira religião, por obra do demônio. Aqui percebemos a
necessidade de exorcizar os indivíduos e o mundo social, de
maneira a fazer a passagem do paganismo para o cristianismo,
do domínio do demônio para o domínio de Deus. Se também hoje
existe a necessidade de insistir nesta passagem perceba quem
tem os olhos abertos sobre os nossos fiéis e sobre a nossa
sociedade.
3. Do
século III ao século VI
É um período de grandes evoluções por toda a Igreja e também
no campo dos exorcismos.
Grandes acontecimentos históricos, como as vitórias de
Constantino e de Teodósio, podem levar a pensar que o
paganismo foi derrotado pelo cristianismo. Por outro lado,
as invasões bárbaras são interpretadas pelos padres da
Igreja como advento de um novo paganismo, não menos
necessitado de ser exorcizado do que o primeiro. Não se pode
deixar passar despercebida a grande figura de São Martinho
de Tours que, alem de ter precedido São Bento na fundação do
monaquismo ocidental, é um dos grandes Apóstolos da
conversão dos bárbaros e conhecido como grande exorcista.
Mas o fato que dá mais impulso à atividade
exorcística é o início do monaquismo. Os primeiros monges,
como, por exemplo, Santo Antão, Pacómio, Hilarião, não se
retiraram para o deserto para fugirem do mundo, mas para
combaterem o demônio que, segundo a antiga tradição, tem no
deserto a sua morada preferida.
A luta contra o demônio, para libertar a humanidade dos
assaltos de Satanás,
é o objetivo principal dos monges que, acabadas as
perseguições e acabada a época dos mártires, se tornam,
deste modo, combatentes de primeira linha. Este é um
conceito expresso muito claramente em todas as obras que
falam do pensamento e da atividade dos primeiros monges:
reflita, por exemplo, a Vida de Santo Antão, escrita por
Santo Atanásio, nas Collationes de Cassiano, na Escada do
Paraíso de São João Clímaco.
Já
anteriormente, embora todos os cristãos pudessem expulsar o
demônio em nome de Cristo, os protagonistas desta tarefa
eram aqueles que se dedicavam, sobretudo, à oração e
ao jejum, conforme o ensinamento evangélico. Também
este fato explica a eficácia da vida dura que os monges
levavam para derrotar os espíritos malignos.
Por volta do século IV, durante a última
perseguição (de Diocleciano), encontramos o heróico
testemunho cristão ligado à luta conta o demônio. Em Roma,
entre os últimos mártires, destacam-se Marcelino e Pedro;
Pedro era um exorcista famoso, o mais antigo exorcista
mártir de que conhecemos, com exceção dos Apóstolos. Parece
que é a figura do exorcista mártir que cede o lugar ao
exorcista monge.
Não
nos esqueçamos que, também naquele tempo, não faltavam os
falsos exorcistas, os charlatões, dos quais era necessário
defender o povo. Promulgam-se, deste modo, na Igreja
ocidental, as primeiras disposições canônicas. O Sínodo
Romano, realizado durante o pontificado do Papa Silvestre,
nomeia os exorcistas entre as Ordens Menores.
É a
tendência, em parte devida ao direito romano, de querer
regularizar todos os âmbitos. Deste modo, os exorcistas são
inseridos no sacramento da Ordem, fazendo parte das Ordens
Menores. O exorcismo será, mais tarde, abolido
como Ordem Menor pela Igreja Anglicana, em 1550 e pela
Igreja Católica, com o Vaticano II.
A
Igreja oriental, pelo contrário, alheia à burocratização do
exorcismo, considera-o como um carisma, uma capacidade
pessoal de todos os fiéis, particularmente dos homens e das
mulheres propensos a esta forma de apostolado. E esta é a
disciplina ainda hoje: exorcistas são aqueles que têm esse
carisma pessoal.
Acrescento que, no Ocidente, os formulários para os
exorcismos batismais (é suficiente citar a este propósito
São Cirilo de Jerusalém) e podemos considerar concluída essa
fase disciplinar, no ano de 416, quando o Papa Inocêncio I
estabelece que os exorcismos apenas podem ser administrados
sob autorização episcopal. No Oriente prosseguiu-se com a
liberdade carismática, sem nenhum tipo de disciplina
especifica.
Gostaria ainda de acrescentar que, com a disciplina
instaurada, não se quis, de modo algum, limitar os poderes
do Espírito Santo de dar os carismas a quem Ele desejar e
como quiser, mesmo o carisma de libertar os endemoninhados.
A história da Igreja está repleta de santos
(por exemplo, São Paulo da Cruz, Santa Catarina de Sena,
Santa Gemma Galgani, São João Bosco, Santo Padre Pio... só
para citar alguns nomes de diferentes épocas) que
expulsaram demônios sem ser exorcistas.
E
também não quis limitar o poder conferido por Cristo a todos
aqueles que acreditarão nEle em expulsar o demônio em Seu
nome. De agora em diante, e para não criar confusão, apenas
temos que utilizar as palavras com propriedade de linguagem:
ou seja, chamar Exorcismo ao sacramental administrado pelos
bispos ou pelos sacerdotes autorizados pelos bispos; e
chamar de orações de libertação a todas as outras preces
feitas por indivíduos ou por grupos, embora a sua finalidade
seja a mesma, isto é, a libertação do demônio.
4. Do
século VI ao século XII
Já é
longo o período em que a prática dos exorcismos, tanto no
Oriente como no Ocidente, se encontra numa fase de pleno
desenvolvimento. As Igrejas estão bem fornecidas de
exorcistas e existe aquele a que chamo de escola, que hoje
se perdeu, completamente, por inatividade: os exorcistas
anciãos e experientes são ajudados por vários jovens, que
estão prontos a sucedê-los quando tal for necessário, tendo
já uma preparação adequada. Atualmente, o sacerdote que é
nomeado exorcista recebe uma única instrução: “Se vire!”.
É um período caracterizado por uma grande
criatividade de fórmulas de exorcismo, de diversas
proveniências. Como fórmulas oficiais, ou oficiosas,
encontramos, pela primeira vez, a fórmula para a ordenação
do exorcista nos Statuta Ecclesiae Antiquae, do século VI.
Dignos de nota, são formulários para exorcismos de Alcuíno
(falecido 804), que entraram no Missal Romano Gallicano e,
depois, quando saiu o Ritual de 1914, foram preferidos a
tantas outras fórmulas, e ainda hoje são oficialmente
recitados.
Perceba que, neste período, ressurge um grande perigo,
o dualismo maniqueísta. Denunciado pelo Sínodo de
Praga, de 560, continuará substituindo para reaparecer com
prepotência no século XII, através de heresia dos Cátaros e
dos Albigenses.
É um
fato a estar presente porque explica um certo tipo de
exorcismo e, sobretudo, de perseguições contra os heréticos,
que infelizmente se difundirá nos séculos seguintes. Mas até
ao século XII, tanto o povo como os teólogos rejeitam a
crença nas bruxas e não pensam sequer em perseguir os
endemoninhados.
Podemos concluir com uma nota iconográfica: surgem,
neste período, as primeiras representações de Satanás
e também, portanto, dos exorcistas. É um
período de bom equilíbrio neste setor: a prática de
exorcismos faz parte integrante da pastoral da Igreja,
como deve ser e como, infelizmente, hoje não é.
5. Do
século XII ao século XV
É um período muito triste para a Igreja; um período
que prepara tempos ainda mais tristes. Não do ponto de vista
cultural: é o período das grandes sumas teológicas,
das estupendas catedrais, dos grandes Papas teocratas.
Mas é também o período de luta contra os Albigenses,
o período em que nascem as grandes heresias
com as respectivas contestações anticlericais e
anti-eclesiásticas; a Europa é, continuamente, assolada por
guerras – basta lembrar da Guerra dos Cem Anos. E o pior
ainda está para vir. Aquelas que, até então, eram chamadas
bonae feminae, ou seja, mulheres um pouco loucas e
merecedoras de misericórdia passam a ser consideradas
bruxas.
Precisamente, essas mulheres, que mais do que
qualquer outra pessoa, precisavam ser exorcizadas,
são perseguidas e queimadas no fogo. Não posso deixar de
citar Santa Joana D’Arc, mesmo considerada
bruxa por motivos políticos, nunca foi exorcizada e foi
condenada à fogueira.
É a
ruína da justiça pastoral e jurídica, que faz perder a
cabeça, até aos mais responsáveis, que emanam disposições
com conseqüências gravíssimas, porventura, com a ilusão de,
num primeiro momento, conseguir moderar as situações,
regulando-as. Em 1252, Inocêncio IV autoriza a tortura
contra os hereges; em 1326, João XXII autoriza pela primeira
vez a inquisição contra as bruxas.
É o começo da loucura, acompanhada por calamidades
naturais. De 1340 a 1450 a Europa é assolada pela peste
negra, uma epidemia que extermina inúmeras vidas humanas com
tantas outras conseqüências: ruína dos valores morais,
difusão de lutas civis de todo o gênero, divisões na Igreja.
No meio destas tragédias, surgiu a mania de demonizar todas
as coisas: mas não uma forma de demonização que conduzisse a
um maior número de exorcismos e, conseqüentemente, à cura ou
à libertação; pelo contrário, conduziu apenas à destruição.
Também
é verdade que podemos esquecer que cada fato histórico deve
ser compreendido no contexto da mentalidade da época em que
ocorreu. Todavia, compreender não significa aprovar, mas
tão-somente tomar consciência das causas. Se querermos
julgar os fatos do passado com a mentalidade do presente,
não compreenderemos nada.
6. Do
século XVI ao século XVIII
Este foi verdadeiramente o período da loucura, o
período em que os exorcismos cederam lugar às perseguições.
A história é a mestra de vida, embora freqüentemente seja
definida num tom crítico, como mestra de vida que ninguém
escuta. E ao descrever este período, que é o período mais
negro de todos, vem o desejo de ser objetivo, porque
considero que tem muito para ensinar ao nosso tempo.
É um
fato consumado naquele tempo: onde já não se fazem
exorcismos, o seu lugar passa a ser ocupado pelas
perseguições; onde se fazem exorcismo, o seu lugar passa a
ser ocupado pelas perseguições; onde se fazem exorcismo, a
mentalidade também, e os problemas igualmente. Onde o
demônio não é combatido e expulso mediante os exorcismos, os
homens são demonizados e mortos.
Parece-me importante dizer, claramente, antes de
continuar com o discurso histórico, que o fenômeno ao qual
fizemos referência me deixa preocupado relativamente ao
presente da sociedade e da Igreja. Quando constato as
contínuas tentativas de minimizar a existência e a
ação do demônio, de reduzir ao mínimo ou acabar
definitivamente com os exorcismos, quem acaba sendo
prejudicado não é o demônio, mas o homem.
E há
muitos modos de demonizar a humanidade: por exemplo, Dachau
ou os Gulag, os genocídios e as limpezas étnicas.
Precisamente, enquanto escrevo estas páginas, acontece à
guerra na ex-Iugoslávia.
Mas retomemos a nossa história. Neste período
também era sentida a necessidade e a urgência de reformar os
rituais dos exorcismos, mas ninguém se mexia. Tal como hoje:
a única parte descuidada e ainda não reformada depois do
Vaticano II, que já fechou portas há algum tempo, são
os exorcismos; e, se alguma tentativa já começou a
dar os primeiros passos, é que os homens da Igreja não se
decidiam, e quem tomou a iniciativa foi o imperador Carlos
V, que no dia 9 de julho de 1548 promulgou, em Augusta, um
édito de reforma dos rituais.
Mas o
mal já tinha aprofundado por demasiado e as perseguições
contra as bruxas atingiram o clímax nos anos que decorreram,
entre 1560 e 1630.
Graças a Deus que houve algumas exceções. É bem
conhecido e documentado o caso da irmã Joana (1559-1620),
das Irmãs negras de Mons, na França. Esta freira, há anos,
havia contraído um pacto com o diabo: era mesmo uma
verdadeira bruxa e, segundo as normas do tempo, devia ser
entregue à Inquisição e condenada ao suplício.
Felizmente para ela, encontrou um superior religioso muito
culto e de sensibilidade pastoral, monsenhor Luís de
Berlaymont, Arcebispo de Cambrai, o qual ordenou que a
freira não fosse processada nem condenada, mas
exorcizada.
Foi
preciso mais de um ano, mas a
freira, finalmente, foi libertada do demônio e viveu os anos
que lhe restaram como freira exemplar. Só é
lamentável que outros bispos, embora doutores e santos, não
tenham agido da mesma maneira. Refiro-me, por exemplo, a São
Carlos Borromeu, que neste caso foi completamente vencido
pelas idéias do tempo; não deixa, no entanto, de ser um
grande santo e um grande bispo; mas a santidade não protege
ninguém de idéias erradas.
O horror da caça ás bruxas difundiu-se, sobretudo
nos países protestantes (atualmente, também estes o
admitem), onde, principalmente no século XVII ocorreram as
guerras religiosas.
Mas
aquilo que mais quero destacar é que, onde continuaram os
exorcismos, não houve fogueiras, ou estas foram reduzidas ao
mínimo. Na Roma dos Papas, apenas houve um caso; na Irlanda
católica, as bruxas nunca foram perseguidas e o foram bem
pouco a Espanha, conhecida pela Inquisição de Torquemada.
Também
é necessário recordar a autocrítica dos católicos, iniciada
pelo jesuíta Friedrich Spee, que em 1631 publicou o livro
Cautio criminalis, no qual fez uma crítica impiedosa contra
a tortura e a caça às bruxas. Foi o começo do
arrependimento, que depois também se estendeu ao lado
protestante. Bem pouco difundiu, ao contrário, o Concílio de
Trento, pois de limitou a elaborar a doutrina sobre o
sacramento da Ordem, considerando o exorcismo uma das Ordens
Menores.
7. Do
século XVIII até aos nossos dias
Assim como tinha sido irracional a caça às
bruxas, do mesmo modo se revelou irracional o seu
fim. Acabou tudo de um momento para o outro, quase de
repente. Mas não aconteceu aquilo que, logicamente, se
esperaria: a perseguição substituiu os exorcismos;
onde continuaram a realizar os exorcismos, não houve
perseguição; portanto, era necessário
recuperar os exorcismos. Mas as coisas não se
passaram assim.
A
reação aos excessos do passado levou a um desinteresse total
com relação ao diabo e à sua ação; um
desinteresse que, também por outros motivos, ainda hoje
subsiste. Houve exageros quando se demonizaram todas
as coisas; a reação conduziu a este exagero, conduziu à
queda da doutrina sobre o demônio. O demônio passou a
ser símbolo, um boneco: quando muito passou a ser
visto como a idéia abstrata do mal.
Mas
deixou de ser considerado como ser pessoal que atua em
profundidade e, como diz o Vaticano II: “Toda a
história humana está marcada por uma luta tremenda contra as
potências das trevas; luta essa que começou no princípio do
mundo e está destinada a durar, como diz o Senhor, até o
último dia” (Gaudium Et Spes, 37).
Esta brusca passagem, que se manteve viva por mais
três séculos, foi depois influenciada pela cultura popular,
que teve grande influência nos ambientes eclesiásticos,
especialmente nas universidades, com fortes repercussões nos
bispos e sacerdotes; a religiosidade do povo ressentia-se
com um enfraquecimento generalizado e, como sempre
acontece quando a fé sofre um abalo, com
tendência para aderir à superstição que, no nosso
tempo, encontrou a sua raiz nas várias expressões do
ocultismo.
A
cultura popular passou a ser dominada pela obra de
desmistificação dos racionalistas incrédulos, depois da
última influência irônica e satírica dos iluministas, e
ainda pelos cientistas do século passado, que contestaram,
em massa, o cristianismo e a revelação.
Para
chegar, durante o século XX, ao materialismo histórico,
ao ateísmo ensinado às massas pelo comunismo do mundo
ocidental. A influência foi grande também sobre o mundo
eclesiástico.
Como
já referimos, nos seminários e nas universidades
pontifícias, quase não se fala do demônio;
dos exorcismos muito menos; e atualmente estão na moda
certos teólogos e biblistas que negam a existência de
Satanás, ou pelo menos a sua ação; que negam mesmo os
exorcismos de Jesus Cristo, considerando-os “linguagem
cultural, adaptada à mentalidade da época”; que
afirmam que apenas acreditam na psiquiatria e na
parapsicologia, das quais, certamente, têm noção muito
imprecisas.
Por outro lado, não se pode negar que sempre houve
exorcistas, alguns deles até famosos. Assim como sempre
estiveram em vigor as disposições eclesiásticas com relação
à nomeação por parte dos bispos e sobre o Ritual a ser
utilizado nos exorcismos. Mas não se pode esperar muito
de um episcopado que tem o monopólio absoluto da nomeação
dos exorcistas, e que, sem culpa própria, mas por motivos
históricos, nunca fez nem presenciou exorcismo algum,
levando, portanto, a que poucos acreditem nele. Salvo
raras exceções. Eis por que razão, atualmente na
Igreja Católica, é emblemática a história daqueles esposos
que demoraram dez anos a encontrar um exorcista.
Já fiz referência a santos que, mesmo
não sendo exorcistas, expulsaram os demônios; sempre houve
personagens deste gênero. Uma pessoa estupenda que gosto de
recordar é Pio VII, conhecido por ser o Papa
prisioneiro de Napoleão. Era um grande exorcista que,
mesmo quando Papa, continuou a fazer exorcismos; também
durante a viagem de ida para a França e de volta para casa.
E gostava de dizer que “o ponto de partida da pastoral
é o exorcismo”.
É
suficiente pensar em como este conceito se revela,
concretamente, nas promessas
batismais, em que se renuncia a Satanás e se adere a Deus.
Do mesmo modo, no primeiro capítulo do Evangelho de São
Marcos, o ministério público de Jesus partiu daí. Mas
atualmente, quantos são os eclesiásticos que acreditam nesta
afirmação?
Quando em 1614 o Ritual Romano foi publicado, foi
necessário escolher algumas dentre as muitas orações de
exorcismo em vigor. Foram preferidas várias fórmulas de
Alcuíno, que, portanto têm doze séculos de experimentações.
Mas também são dignas de nota as vinte e uma normas
iniciais que orientam o exorcista no seu ministério.
Embora vários pontífices tenham retocado estes preceitos,
bem pouco se fez ao longo do tempo.
Atualmente, o exorcista é considerado como um ser estranho,
no meio do caminho entre o mago e o louco. Na estima dos
colegas sacerdotes é, sobretudo, considerado um
supersticioso sem importância alguma. Perceba que na
nossa época tenham sido produzidos filmes, como O exorcista
(de 1971, obra do famoso realizador William Blatty), em que
os dois sacerdotes exorcistas representam personagens
totalmente contrastantes entre si e em total contradição,
com aquele que é um verdadeiro exorcista.
Algumas conclusões
Considero necessário apresentar algumas conclusões,
depois do esforço feito em caracterizar “por alto” os 200
anos de história dos exorcismos na Igreja Católica.
1- São pontos ausentes da doutrina
evangélica e eclesiásticas as seguintes conclusões:
a existência dos demônios, puros espíritos bons criados por
Deus, mas que se perverteram por culpa própria; o poder
maléfico que têm sobre os homens, chegando mesmo a tomarem
posse de homens e objetos; o domínio que Cristo exerceu
e que, depois, conferiu aos que acreditam nEle, de
expulsar os demônios em Seu nome.
Quem não acredita nestas verdades
está fora da fé cristã.
2- A luta contra o demônio deve ser levada
até o fim por todos; é um dos
princípios fundamentais da vida
espiritual cristã, como nos ensina a tradição
monástica. Sabemos que a ação ordinária do demônio
é a tentação: todos devemos combater contra as
tentações que nos vêm na carne (ou seja, da ferida
original), do mundo, do demônio.
A Bíblia é muito clara a respeito desta luta que temos de
enfrentar contra o mal e contra os próprios malignos;
é uma luta que tem a sua síntese
nas duas últimas invocações do
Pai-Nosso. O exorcista deve ser visto como um
sacerdote que, por encargo da Igreja, nos ajuda quando temos
de enfrentar a ação extraordinária do demônio. É certo que a
sua obra deveria readquirir aquele dinamismo e criatividade
que tinha no passado e, segundo a tradição viva desde sempre
na Igreja oriental, deveria buscar o auxílio daqueles
carismas e daqueles carismáticos que o Espírito concede para
o seu ministério.
3- Atualmente, passados quase três
séculos, assistimos a um lento despertar desta realidade,
a uma retomada de exorcismos, a uma insistente
exigência por parte do povo de Deus, exigência que o clero
não consegue satisfazer. Se excluir o que diremos sobre o
ocultismo? Creio que o mérito desta retomada se deva à
cultura popular. No passado, como já vimos, a cultura
popular contribuiu para lançar o descrédito sobre todas as
realidades espirituais. Foi também o período das
grandes descobertas científicas, o período em que se
pensava que a ciência podia resolver todos os
problemas, e em que se discutia sobre a compatibilidade
entre a ciência e a fé.
Hoje a situação mudou. A ciência, especialmente
os cientistas mais corretos e inteligentes, tomou
consciência dos males que pode causar à humanidade (é
suficiente pensar na bomba atômica) e, sobretudo, dos seus
limites; toma cada vez mais consciência daquilo que não sabe
e do fato que existem leis e forças que escapam ao nosso
controle.
Para
mim, foi motivo de grande audiência, me foi perguntado por
Minoli, o apresentador do programa, se seria capaz de
colaborar com psiquiatras ou outros especialistas.
Respondi que sim. Logo em seguida, tomou a palavra o já
falecido professor Emílio Servadio, que não só me deu razão
como também afirmou expressamente: “Pessoalmente,
perante certos casos, envio para o exorcista”.
Considerei preciosa aquela declaração e devo dizer que já
tive vários casos de pessoas que me foram enviadas por
psiquiatras. Mas o fato é ainda significativo, uma
vez que existem muitos eclesiásticos que não acreditam,
nem nas possessões diabólicas nem nos exorcismos, e mandam
todas as pessoas para o psiquiatra...
4- Ainda estamos muito longe daquele
que deveria ser o ponto de chegada: considerar o
exorcismo um serviço pastoral integrado no âmbito
pastoral normal e ao qual se dedica um suficiente número de
pessoas. Posso dizer, aos meus colegas sacerdotes, que é,
sobretudo um ministério de conforto, de aproximação a Deus e
à Igreja. Algumas pessoas pensam que os exorcistas
demonizam tudo e que, nesse sentido, a sua presença é nociva.
Mas é exatamente o contrário: o exorcista tranqüiliza,
afasta falsos medos, colabora eficazmente para
a pacificação das consciências e
para a paz entre os indivíduos.
Foi o
que vimos no período mais negro da história dos exorcismos:
onde se faziam exorcismos,
não se demonizavam nem se matavam as pessoas.
Ter muitos exorcistas significa dar um grande auxilio para
acalmar os ânimos. E significa também aconselhar e
consolar as pessoas com palavras da fé, e não com os
truques dos magos, a quem as pessoas recorrem, muitas
vezes porque não encontram entre os sacerdotes, quem as
ouça.
Fonte: Extraído do Livro
"Exorcistas e Psiquiatras" - Pe. Gabriele Amorth - Ed.
Palavra & Prece.