§ VI. DO VOTO DE CASTIDADE
I. Uma
alma que consagra a Deus a sua virgindade torna-se uma esposa de Jesus Cristo,
e por isso o Apóstolo não hesita em escrever (II Cor 11, 2): "Eu vos
desposei com um Esposo, com Cristo, para vos apresentar a Ele como virgem
pura". Jesus Cristo mesmo se dá como Esposo das virgens, na parábola das
dez virgens: "Saíram ao encontro do Esposo... e entraram com Ele para as
núpcias" (Mat 25, 10). O Divino Salvador deixa-se chamar pelos outros
fiéis de Mestre, Pastor e Pai; quer, porém, ser chamado de Esposo pelas almas
virgens. Esses desponsais com o Senhor, se realizam por meio da fé: "Eu me
desposarei contigo pela fé" (Os 2, 20). A virtude da virgindade é um fruto
especialíssimo dos merecimentos de Jesus Cristo, e por isso se diz, no Apocalipse
(14, 4), que as virgens formam o cortejo do Cordeiro. A Santíssima Virgem
revelou a uma alma devota que uma esposa de Jesus Cristo deve, acima de todas
as virtudes, amar a pureza, porque ela a torna de modo especial semelhante a
seu Divino Esposo. São Bernardo diz que todas as almas justas são esposas do
Senhor, "mas de um modo particular vale isso das almas virgens", como
nota Santo Antônio de Pádua. Por isso São Fulgêncio chama a Jesus Cristo o
Esposo de todas as virgens consagradas a Deus.
Uma moça
que quer permanecer no mundo e casar-se, se é prudente, se informa com todo o
cuidado a respeito dos que solicitam a sua mão, para conhecer o mais digno e o
mais capaz de torná-la feliz aqui na terra. A pessoa religiosa, por sua vez,
desposase, pelos votos, com Nosso Senhor Jesus Cristo. Procuremos a esposa dos
Cânticos, que sabe perfeitamente avaliar as qualidades desse Esposo Divino, e
perguntemos-lhe: 'Quem é o vosso amado, ó santa esposa? Quem é aquele que
possui todo o vosso coração e vos tornou a mais feliz das mulheres?' Ela
responde: 'Meu Amado é branco e vermelho: é branco por Sua pureza, e vermelho
pela chama do amor em que se abrasa por Sua esposa; em uma palavra, Ele é tão
belo, tão perfeito em todas as virtudes, que não há nem pode haver um outro
esposo mais nobre ou mais amoroso que Ele'. "Nem quem O iguale em Sua
grandeza, nem em Sua beleza, nem em Sua generosidade", diz Santo Euquério.
Por isso escreve Santo Inácio de Antioquia: "Aquelas bem-aventuradas
virgens, que se consagraram a Jesus Cristo, podem estar certas de que não
encontrarão, nem no céu nem na terra, um esposo tão belo, tão nobre, tão rico,
tão amável como Aquele que lhes foi dado, Jesus Cristo".
Santa
Clara de Montefalco dizia que prezava tanto sua virgindade, que antes quereria
sofrer durante toda a sua vida as penas do inferno, do que perder esse valioso
tesouro. Com toda a razão, pois, muitas virgens virtuosas renunciaram a
casamentos principescos para permanecerem esposas de Jesus Cristo. Santa Joana,
infanta de Portugal, renunciou à mão de Luís XI, rei da França; a Beata Inês de
Praga, à do imperador Frederico II; Isabel, filha do rei da Hungria e herdeira
do reino, à de Henrique, arquiduque da Áustria, e muitas outras procederam do
mesmo modo.
Uma
virgem que se consagra ao Senhor, diz Teodoreto, está livre de todo o cuidado
inútil. Não tem outra coisa a fazer senão entreter-se contínua e familiarmente
com Deus. Isso indica o Apóstolo quando diz que a virgem "é santa no corpo
e na alma" (I Cor 7, 34); santa no corpo pela castidade, santa no espírito
por seu comércio íntimo com Deus. "Se ela não tivesse outra recompensa a
esperar, diz Santo Anselmo, só por estar livre dos cuidados seculares e não ter
outra obrigação, já deveria ser tida por sumamente feliz". Do que se vê
que as virgens não só receberão uma imensa glória no Céu, mas já serão
recompensadas antecipadamente aqui na terra, com uma paz inalterável.
As
virgens que se consagram ao amor de Jesus Cristo, ofertando-Lhe o lírio da
pureza do coração, tornam-se tão agradáveis a Deus como os Santos Anjos,
-certamente um efeito sublime da castidade virginal. Todas as virgens que
buscam a perfeição são esposas queridas de Jesus Cristo, porque Lhe consagraram
seu corpo e sua alma, e nada mais buscam nesta vida que agradar-Lhe. São João
foi o discípulo amado de Jesus, porque guardou a virgindade. Justamente por
esse motivo amava-o Jesus mais que aos outros discípulos, como a Igreja o
insinua quando diz: "Foi escolhido como virgem pelo Senhor, e mais amado
que todos os outros".
As virgens
são chamadas, na Sagrada Escritura, as primícias de Deus: "São virgens;
esses seguem o Cordeiro aonde quer que Ele vá. Esses foram comprados dentre os
homens, para serem as primícias para Deus e para o Cordeiro" (Apoc 14, 4).
Mas por que são chamados primícias de Deus? O Cardeal Hugo responde: "Como
os primeiros frutos são mais agradáveis que os outros, assim também as virgens
consagradas a Deus agradam mais ao Coração deste e constituem o objeto de seu
especial amor".
Diz-se
ainda, na Sagrada Escritura, que o Esposo Divino "se apascenta entre os
lírios" (Cânt 2, 16). Esses lírios representam as virgens que conservam
sua pureza por amor de Deus. Um expositor nota o seguinte nessa passagem dos
Cânticos: "Enquanto o demônio procura a imundície da impureza, Jesus
Cristo se apascenta [isto é, descansa,] entre os lírios da castidade".
O que,
porém, deve aumentar consideravelmente a nossos olhos o valor da virgindade, é
o louvor extraordinário que lhe tece o Espírito Santo, dizendo: "Tudo o
que se aprecia não é comparável a uma alma continente" (Ecli 26, 20). Isso
mesmo nos deu a entender a Santíssima Virgem, quando disse ao Arcanjo que Lhe
anunciava a divina maternidade: "Como se dará isso, se não conheço
varão?" (Lc 1, 14). Maria, com essas palavras, mostrou que preferiria
renunciar à dignidade de Mãe de Deus, a perder o tesouro de Sua virgindade..
Segundo
São Cipriano, a pureza virginal é a rainha de todas as virtudes e o complemento
de todos os bens. Santo Efrém escreve que as virgens que guardam a sua pureza
por amor de Jesus Cristo, serão favorecidas por Ele em todos os pontos. São
Bernardo acrescenta que a virgindade habilita a alma, de um modo todo especial,
a ver o Divino Esposo nesta vida pela fé, e na outra pela luz da glória.
Imensa é
a glória que Jesus Cristo prepara no Céu às Suas esposas que na terra Lhe
consagraram sua virgindade. Nosso Senhor mostrou um dia à Sua grande serva
Lucrécia Orsini os sublimes tronos que ocuparão aqueles que serviram a Jesus
Cristo em pureza virginal. Ao que exclamou ela: "Oh! Quão agradáveis não
são a Jesus e a Maria as virgens!" Os teólogos afirmam que as virgens
receberão no Céu uma auréola especial, sendo ornadas com uma luzente coroa de
honra e glória, pois se diz na Sagrada Escritura, a respeito das virgens: "Ninguém
podia cantar esse cântico, senão aqueles cento e quarenta e quatro mil que
foram comprados na terra". Explicando essa passagem, diz Santo Agostinho
que a glória que Jesus Cristo concede às Virgens não confere aos outros Santos.
II.
Grande é a satisfação de Jesus Cristo quando alguém se associa ao número de
Suas esposas. Isso declaram aquelas palavras dos Cânticos: "Vinde, ó
filhas de Sião, e vede o rei Salomão com o diadema com o qual o coroou sua mãe
no dia de suas núpcias, no dia da alegria de seu coração" (Cânt 3, 11).
Isso, porém, vale só daquelas almas que se consagraram sem restrição ao amor do
Esposo Divino. Desposando Jesus uma tal alma, quer que todo o Céu se alegre com
Ele e entoe hinos de regozijo: "Alegremo-nos e exultemos e demos-Lhe glória,
porque são chegadas as bodas do Cordeiro e Sua esposa está ornada" (Apoc
19, 7). Os ornatos com que Jesus quer ver ataviadas Suas esposas são as
virtudes, particularmente o amor e a pureza, que são apresentadas nos Cânticos
como coroas de prata e de ouro: "Nós te faremos umas cadeias de ouro
listradas de prata" (Cant 1, 10). São estas as vestes pomposas e as jóias
com que o Senhor atavia Suas esposas, e das quais fala Santa Inês: "Ele
circundou minha direita e meu pescoço com um colar de pedras preciosas,
revestiu-me com um hábito bordado a ouro e ornado com artísticos relevos e
deslumbrantes adornos".
Os
seculares buscam coisas terrenas, mas as esposas de Jesus Cristo nada mais
querem senão Deus; por isso delas se pode afirmar ao pé da letra: "Esta é
a geração dos que buscam a Deus" (Sl 23, 6). "Ó esposas do Redentor,
exclama São Tomás de Villanova, não deveis buscar qual de vós sobrepuja as
outras por seu nascimento, seus talentos ou fortuna; examinai, antes, quem é
mais agradável ao Esposo Divino, quem vive unida mais intimamente a Ele, quem é
mais humilde, pobre e obediente". Ouçamos também o que diz o Espírito
Santo: "Filho, quando entrares ao serviço de Deus... prepara tua alma para
a tentação" (Ecli 2, 1), para sofreres com humildade e paciência, pois
"o ouro e a prata se provam no fogo, e os homens que Deus quer receber, na
fornalha da humilhação" (Id. v. 5). "Ninguém pode servir a dois
senhores" (Mat 6, 24), a Deus e ao mundo. quem, portanto, quiser
consagrar-se a Deus deve renunciar ao mundo, e quem quiser tornar-se esposa de
Jesus Cristo deverá exclamar incessantemente: "Deus só é todo o meu
tesouro e meu único bem".
São José
de Calazans diz que, se não se der a Jesus todo o coração, não se Lhe deu nada.
Isso é inteiramente verdade, porque nosso coração já é em si muito pequeno para
amar dignamente a um Deus que merece um amor infinito; e esse pequeno coração
deveria ainda ser dividido entre Deus e as criaturas?
Como
poderás, pois, tu, alma cristã, te incomodares com o mundo, depois de te consagrares
a Deus? Esquece de tudo o mais e procura guardar o teu coração inteiro para teu
Divino Esposo, que escolheste para Lhe dedicares todo o teu amor. Eu disse: teu
coração inteiro, porque Jesus Cristo quer que Sua esposa seja "um jardim
fechado e uma fonte selada" (Cânt 4, 12); um jardim fechado, pois não deve
receber a ninguém mais senão a seu Divino Esposo; uma fonte selada, porque esse
Divino Esposo é zeloso e não permite que encontre entrada no coração de sua
esposa outro amor que o amor por Ele. Por isso diz-Lhe: "Quero que me
coloques como um selo sobre teu coração e sobre teu braço" (Cant 8, 6),
para que a ninguém mais ames senão a Mim, e para que todos os teus atos sejam
feitos com a única intenção de Me agradares. O Amado é colocado como um selo
sobre o coração e o braço, diz São Gregório, quando a alma mostra por sua
vontade (isto é, o coração) e por suas ações (isto é, o braço), quanto ama a
seu celeste Esposo.
Quando o
amor divino reina numa alma, expulsa toda a afeição que não se refere a Deus,
pois "o amor é forte como a morte" (Id. it.). Como nada há que possa
resistir à veemência da morte quando é chegada a sua hora, assim também não há
nenhum impedimento e nenhuma dificuldade que não seja superada pelo amor
divino, quando ele se apodera de um coração. "Se um homem der todas as
riquezas de sua casa, ele as desprezará como se nada tivesse dado" (Id.,
v. 7). Um coração que ama a Deus, despreza tudo o que lhe oferece e pode
oferecer o mundo; numa palavra, ele despreza tudo o que não é Deus. São
Bernardo diz que Deus, como nosso Senhor, exige de nós temor; como Pai,
respeito; como Esposo, porém, unicamente amor.
A
Venerável Francisca Farnese não conhecia meio mais eficaz para estimular a si e
às suas companheiras a tender à perfeição, do que a recordação de que eram
esposas de Jesus Cristo. Está fora de dúvida, dizia ela, que cada uma de vós
foi escolhida por Deus para se tornar santa, pois que vos concedeu a grande
honra de vos fazer Suas esposas. E, de fato, é essa uma graça inapreciável, que
exige uma fiel cooperação. Santo Agostinho escreveu a uma virgem consagrada a
Deus: "Tens um Esposo que é mais belo que tudo o que existe no Céu e na
terra, e que te deu um penhor seguro de Seu amor escolhendo-te para Sua esposa.
Podes concluir disso quão obrigada estás a pagar o Seu amor". Ó esposa de
Jesus Cristo, não te ocupes mais contigo e com o mundo; não pertences mais ao
mundo, nem a ti mesma, mas a Deus; e cuida unicamente em viver para esse Esposo
que escolheste.
Escolheste
a Deus por Esposo, mas primeiramente te escolheu o Senhor para Sua esposa.
Quantas almas não deixou Ele no mundo, não lhes concedendo os favores que a ti
fez? O Salvador preferiu-te a todas essas almas, não por seres mais digna, mas
por te amar mais que às outras. Por isso te diz o Senhor, pela boca do Profeta
(Ez 16, 8), que o tempo que te resta de vida é "um tempo para amar"..
Deves ligar-te a Jesus, teu Esposo, com toda a tua confiança e, com todo o teu
amor, prender-te a Ele, que te amou desde a eternidade, que te criou por Sua
bondade, e te chamou a Seu santo amor por meio de tantas graças especiais. Por
isso, se o mundo solicitar o teu amor, ó esposa de Jesus Cristo, diz-lhe com
Santa Inês: "Aparta-te de mim, pábulo da morte. Desejas o meu amor, mas eu
não posso amar a mais ninguém do que a meu Deus, que me amou primeiro".
"Porque és a esposa de um Deus, diz São Jerônimo, reveste-te de um santo
orgulho". Os seculares se orgulham de sua união com pessoas nobres e
ricas; tu, porém, podes te gloriar de uma sorte muito melhor, porque te
tornaste esposa de um Rei Celeste. Dize, pois, cheia de alegria e santo
orgulho: "Achei a quem meu coração ama; prendê-lo-ei com meu amor e não O
largarei mais" (Cant 3, 4).
De fato,
é uma imensa felicidade para uma virgem quando ela pode gloriar-se e dizer:
"Aquele a quem os Anjos do Céu desejam servir, é meu Esposo. Meu Criador
escolheu-me para Sua esposa, e, como Ele é o Rei e o Senhor do mundo, cingiu-me
igualmente com uma coroa de rainha".
Deves
saber, entretanto, ó esposa do Senhor que lês esses louvores, que não possuis
irrevogavelmente essa coroa enquanto permaneceres aqui na terra; poderás
perdê-la novamente por tua culpa; para que ninguém ta roube, segura-a
fortemente (Apoc 3, 11). Renuncia às criaturas, une-te cada vez mais intimamente
a Jesus Cristo pelo amor e pela oração, e suplica-Lhe sem cessar que não
permita que te tornes outra vez infiel. Deves dizer-Lhe: Ó Jesus, meu divino
Esposo, não permitais que me separe de Vós.
E quando
as criaturas quiserem apoderar-se de teu e daí expulsar Jesus Cristo, dize
desassombradamente com o Apóstolo, confiada na assistência divina: "Quem
me separará do amor de Jesus Cristo? Nem a morte, nem a vida, nem criatura
alguma será capaz de nos separar do amor de Deus" (Rom 8, 35).
(SANTO
AFONSO MARIA DE LIGÓRIO, Escola da Perfeição Cristã, compilação de textos do
Santo Doutor pelo padre Saint-Omer, CSSR, tradução do padre José Lopes, CSSR,
IV Edição, Editora Vozes, Petrópolis: 1955, páginas 186-204 e 338343).