QUANDO RECORRER AO EXORCISTA
É habitual dizer-se que o demônio fica
contente quando não se fala sobre ele, pois assim pode
trabalhar à vontade sem ser perturbado; ou, então, que
também fica contente quando se fala demais dele, porque se
sente protagonista da história.
A mim
parece-me que é necessário falar acerca dele porque
existe e está em plena atividade, mas é importante falar
sobre ele de maneira equilibrada, com clareza de idéias,
como a Bíblia nos ensina.
É de
todo contraproducente falar sobre o demônio de maneira
errada, por exemplo, ridicularizando-o ou assustando as
pessoas, como freqüentemente fazem os meios de comunicação,
sobretudo, nestes últimos tempos, desde que perceberam de
que o demônio é espetáculo garantido.
O
exorcista, última tábua de Salvação
É fato
que atualmente a requisição de exorcistas (até há bem pouco
anos quase desconhecidos) é grande e, se não estamos atentos
e não fazemos alarde das disposições eclesiásticas, também
esta procura por exorcistas pode tornar-se uma espécie de
superstição, tal e qual como virar-se para os bruxos.
Na sua raiz, jamais me cansarei de repetir que, há sempre
falta de fé, acrescida da mais completa ignorância
religiosa.
No fim
de um congresso de exorcistas da Puglia, que se realizou no
dia 8 de junho de 1995 em Marina Franca, foi distribuído um
panfleto que continha, entre outras coisas, dois dados
interessantíssimos: os católicos italianos que têm uma
consciência explícita da Igreja, tal como é exigida a quem
se diz católico, são pouco menos de quatro milhões
(cf. F. Garelli, Religione e modernità, in AA.VV., La
religione degli Europei (a religião dos europeus), Turim,
1992).
Em
compensação, já toda a gente conhece os resultados da
pesquisa levada a cabo pela professora Cecília Gatto Trocchi,
segundo a qual os italianos que freqüentam magos,
cartomantes e semelhantes são mais de doze milhões.
Menos de quatro milhões e mais de doze milhões: não me
parece que o ministério do exorcismo possa ser considerado
uma pastoral direcionada a uma minoria.
Também
é verdade que a instrução de base não pode e não deve ser
exigida dos exorcistas, mas a quem se ocupa da
catequese, sacerdotes e leigos. E é talvez por causa
desta carência que muita gente se dirige aos
exorcistas por motivos inadequados, quando não há
necessidade alguma de o fazerem. Acontece-me
freqüentemente de ter que repetir que, nas várias situações
da vida, o exorcista deve ser a última pessoa em quem
pensar.
Quais são os casos mais comuns e errados
em que as pessoas procuram
ansiosamente um exorcista, como última tábua de Salvação
para resolverem os seus problemas?
Faço
uma pequena referência aos principais.
Por motivos de saúde,
quando a própria pessoa ou alguém da família ou amigo tem
uma doença incurável do ponto de vista médico. Por
motivos afetivos, quando a mulher ou o marido
abandona o respectivo cônjuge, para ir conviver com outra
pessoa: “Gostávamos tanto um do outro, certeza que alguém
lhe fez um feitiço”. Ou então, quando um filho ou
uma filha se apaixona por uma pessoa que, aos olhos
dos pais, é completamente errada. Também neste caso o motivo
é idêntico: “Devem-lhes ter feito um ‘trabalho’!”.
Tanto
mais nos casos em que se ouviu dizer (eventualmente da
boca de um mago, ou de uma cartomante ou ainda do chamado
vidente) que realmente foi feito um “trabalho”;
são talvez os casos mais freqüentes. Acrescento também
os casos em que se altera o caráter de um familiar
(marido, mulher, filho...): “É certo que traz o
diabo no corpo!” Ou quando a situação
econômica vai por água abaixo. Poderia continuar a
dar exemplos de casos e erros comuns.
Que fazer nestes casos? O que aconselhar?
É
certamente errado precipitar-se na procura de um exorcista.
O
primeiro passo que seguramente deve ser feito é
precipitar-se para os braços de Deus:
a oração, a confiança em Deus e na
sua Providência, a disponibilidade para aceitar a vontade
divina, tal como se apresenta nas circunstâncias concretas
da vida.
Se
depois essa pessoa ficar realmente convencida de ter sido
atingida por um malefício, a primeira resposta a dar é a de
Paulo VI: “Tudo o que nos defende do pecado,
protege-nos do maligno”. Portanto, o recurso aos
meios anormais da graça, como se recorda na carta que a
Congregação para a Doutrina da Fé enviou aos bispos em 1985:
“Os pastores podem servir-se desta ocasião que lhes é
apresentada, para recordar aquilo que a Igreja ensina a
respeito da função que é própria
dos sacramentos, da intercessão da Santíssima Virgem Maria,
dos anjos e dos santos, também na luta espiritual dos
cristãos contra os espíritos malignos”. Em todo o
caso, é sempre necessário um caminho de conversão e
oração.
Um caminho acompanhado
Esta
caminhada de conversões e oração também deve
ser acompanhada; pelo menos por um sacerdote, que pode ser
o confessor habitual ou o diretor espiritual.
Mas é muito mais útil o auxílio de uma comunidade, e
considero uma imperdoável carência se a comunidade paroquial
não é capaz de fornecer a ajuda necessária neste campo.
Costumo dizer que, em ordem de eficácia e de recurso, os
exorcismos estão em último lugar.
1- Antes de mais, é necessário viver em graça e afastar os
impedimentos à graça,
por isso, a primeira coisa a fazer é sempre
uma boa confissão.
Se uma pessoa vive num estado habitual de pecado, deve
remediar esta situação. Se uma pessoa tem impedimentos à
ação da graça (o mais freqüente é a incapacidade de
perdoar, deve afastar tais impedimentos…)
2- Viver a Eucaristia,
de que sublinho três aspectos:
a Missa, a comunhão, a adoração
eucarística.
Devemos dizer com clareza que estes quatro meios já citados,
e o seguinte, têm muito mais força e mais valor do que um
exorcismo.
As pessoas, normalmente, são preguiçosas:
querem que sejam os outros a fazer, a livrá-las dos
problemas. Aquilo que mais falta, na maioria dos casos, é
o empenho pessoal.
3- A oração.
É lógico que estes meios devem ser todos utilizados; não um
a seguido de outro, mas segundo a natureza própria de cada
um; por isso, a oração
deve ser diária, com fé, num certo espaço de tempo.
Todas
as orações são boas, mesmo as que inventamos por nossa
conta. Têm particular e evidente eficácia as orações
bíblicas (salmos, cânticos) e o Terço do Rosário,
que realmente tem uma força incrível.
Já só utilizando estes meios – e,
portanto, sem utilizar o exorcismo -, é possível
libertar-se dos malefícios e, até, da possessão.
É impossível libertar-se mediante o exorcismo se também não
se recorre a estes meios. Excetue-se os casos em que a
pessoa gostaria de utilizar estes meios e esforça-se por
utilizá-los mas é impedida pelo demônio. Neste caso, é
necessário ajudá-la e são precisos mais dois meios.
4- As orações de libertação.
Antes de mais têm um duplo efeito e é por isso que, por
vezes são mais eficazes do que os exorcismos:
geralmente, fazem-se orações de cura e de libertação;
por isso é que são mais pertinentes nos casos em que é
necessário a cura.
Depois, é precisamente a partir de uma série de
orações de libertação, notando as reações e os resultados,
que se evidencia se são necessários, ou não, os exorcismos.
Em geral, se não há reações às orações de libertação,
também não haverá em relação aos exorcismos; ou seja,
não se trata de malefícios, mas de males de que devem
ser curados por via médica.
Recordo também que nos chamados “males menores” podem ser
suficientes estes meios para alcançar a libertação,
reservando os exorcismos apenas para os casos mais
graves.
5- Os exorcismos.
É verdade que o exorcismo não almeja apenas a expulsão dos
demônios, mas é também um adjuvante contra a influência do
maligno; por isso, deve ser utilizado nos casos de
possessão, mas também nos casos de influência
demoníaca. Estas afirmações são claramente expressas no
Catecismo da Igreja Católica (cf. nº 2673).
Mas
também é verdade que para avançar com um exorcismo é
necessário encontrar-se perante um caso grave, com
sintomas suficientes e tais que façam suspeitar da presença
ou da influência maléfica; mesmo que a certeza só se
tenha depois do exorcismo, que também tem um efeito de
diagnóstico: que resulta das reações durante o exorcismo,
dos efeitos que se seguem, da evolução que se nota após uma
série de exorcismos.
Dado que atualmente os pedidos, como sublinhava no
início, são exagerados e freqüentemente não pertinentes,
cada exorcista tem os seu método de seleção antes de marcar
um encontro e, sobretudo, antes de avançar para o exorcismo.
De minha parte, exijo que previamente haja
uma vida de oração e de freqüência
dos sacramentos e que a pessoa me seja
apresentada por um sacerdote, ou por um grupo de oração,
após uma série de orações de libertação.
Algumas vezes, podem bastar-me os sintomas que me são
comunicados, mesmo tendo em conta a tendência que as pessoas
têm de exagerar as manifestações de maneira a obterem a
marcação de um encontro.
Mas muitas vezes basta-me a apresentação por parte
de um sacerdote experiente. Creio que todos os sacerdotes
deveriam ter aquele mínimo de experiência que lhes
permitisse estudar um caso e verificar se existem
verdadeiros motivos para suspeitar de um influxo maléfico.
Conheço alguns sacerdotes que acompanham as pessoas durante
algum tempo, abençoam-nas e, depois, conseguem perceber se
existem ou não motivos de suspeita; por isso, quando são
esses sacerdotes a enviar-me pessoas, tenho a certeza de que
o caso merece a devida consideração.
O demônio é esperto; é verdade que não
devemos ser crendeiros e que temos de agir com muito tato e
lentidão antes de acreditar numa presença demoníaca. Mas
também é verdade que o demônio faz de tudo para se
esconder e que pode manifestar-se de formas muito
diferentes.
É suficiente pensar nos endemoninhados do Evangelho:
o endemoninhado de Gerasa é uma pessoa furiosa, tem
uma força hercúlea, atira-se às pessoas; o jovem aos pés
do Tabor tem manifestações que o fazem confundir com o
epiléptico, não é violento contra os outros, mas é
autodestrutivo; a mulher corcunda e o surdo-mudo
podiam parecer simples doentes, mas Jesus viu que a causa
dos seus males dependia de uma presença demoníaca.
Conheci casos de possessão sem sintomas exteriores durante o
exorcismo.
Creio que chegados a este ponto não é fácil
responder à pergunta: quando
se deve recorrer ao exorcista? Quando não
existem explicações humanas para os males que afligem o
paciente; quando um caminho de conversão, de oração,
uma série de orações de libertação não obtiveram o efeito
desejado, mas sublinharam reações crescentes inexplicáveis
do ponto de vista natural, quando se notam motivos
de suspeita como expus na parte dedicada ao diálogo com
psiquiatras, ou quando se notam fenômenos estranhos e
inexplicáveis, é então necessário recorrer ao exorcista.
Contudo, é fundamental que a pessoa, mesmo durante
os exorcismos e após ter obtido a libertação ou a cura,
viva plenamente a vida cristã e
seja fidelíssima ao momento de oração, à Missa, aos
sacramentos, à instrução religiosa. Na
ausência destes fatores, todos nós, exorcistas, já tivemos
experiências de libertações provisórias ou de dolorosas
recaídas.
Fonte: Extraído do Livro
"Exorcistas e Psiquiatras" - Pe. Gabriele Amorth - Ed.
Palavra & Prece.