O parecer de alguns médicos.
A respeito dos médicos, sobretudo se forem
psiquiatras, é interessante ouvir suas opiniões. A
alguns deles, que habitualmente auxiliam os exorcistas,
dirigi duas perguntas:
Que
tipo de ajuda pode dar um médico ao exorcista?
Que
especialidades deve ter o médico para poder auxiliar o
exorcista?
Também disse que eles, se considerassem oportuno,
poderiam acrescentar ou falar sobre outras coisas. Eles
tiveram a gentileza de me responder, manifestando, contudo,
dificuldade em expressar a própria opinião no pouco espaço
de que dispunham. Pareceu claro que será oportuno ouvi-los
falar livremente, por ocasião de congressos ou de
publicações mais amplas. Em seguida, transcrevo algumas
dessas respostas.
Dr. Giorgio Gagliardi (psicoterapeuta de Asso, Como)
Em vários congressos nos quais participei, um ou
outro exorcista mencionou a colaboração de médicos
especialistas, enquanto que outros afirmaram que os médicos
não são necessários no desenrolar do sacramental do
exorcismo ou da oração de libertação.
No
livro de Lewis, Scusi, qual é il suo Dio? (Desculpa. Qual é
o seu Deus?), lê-se que o diabo manda os erros aos pares: um
erro e o seu adversário, que é outro erro. Deste modo,
erra-se quando se tem demasiada presunção e não humildade no
diagnóstico e no discernimento.
Tantos
os exorcistas como os médicos têm uma mentalidade própria,
uma maneira de ser, um subconsciente, as suas convicções; e
assim todos podem ficar com as idéias confusas ao entrar no
âmbito específico dos outros profissionais.
Eis o
par de erros que Berlique (protagonista do livro já citado,
de Lewis) nos envia da França, onde parece que tudo se reduz
à cura psicossomática. Em certas partes do nosso continente
já não há exorcistas. Na Itália, o diabo está muito ativo,
com uma ação que freqüentemente é ridicularizada em séries
televisivas ou em outras transmissões.
Nas circunstâncias atuais, é bom que cada um
tenha a humildade de reconhecer os próprios limites:
o médico, no discernimento espiritual; o exorcista, no
diagnósticos psicológico-psiquiátrico, mas também nos
estados de consciência culturais que existem e que enganam
os próprios médicos nos seus diagnósticos. É por isso que, a
muitos, se pode atribuir a crítica de diletantismo
superficial.
Atualmente, a ciência aplicada ao poder tenta
programar diversos meios de destruição, através do
condicionamento mental o do transe hipnótico ou de uma certa
reprogramação emocional. Estas aplicações sofisticadas e
terríveis para o equilíbrio mental levantam a questão de
saber se os exorcistas conhecem, ou não, os estados de
transe e os estados de consciência, que, por seu lado,
minutos médicos e psiquiatras também não sabem identificar e
que de imediato se classificam como perturbação mental, para
não terem que modificar as suas convicções.
O âmbito dos exorcistas é bastante vasto e repleto
de interferências: o diagnóstico ou o discernimento pode
prever perturbações igualmente presentes no campo
biológico, mental ou espiritual.
Que funções podem desempenhar o médico, o
psiquiatra, o psicólogo, o psicofisiologista? As funções que
lhes competem: identificar o estado de saúde do sujeito
mediante a análise detalhada do seu histórico clínico;
avaliar as regras relativas aos diferentes critérios de
normalidade e anormalidade; revelar a cultura a que
pertence, o contexto social e comunicativo; a idade, o sexo,
os papéis sociais e os ritos da vida (trabalho, matrimônio,
mudanças, luto); se a doença orgânica determina uma
perturbação mental (tóxico dependência, doenças do
metabolismo como a diabetes e algumas doenças orgânicas
mentais).
Frustrações, comportamento do sujeito, capacidade de
desempenhar o próprio trabalho e de partilhar os valores da
sociedade, a religião a que pertence. Incoerência dos
próprios pensamentos, fixação no próprio sofrimento.
Anulação da sua vontade, incapacidade de projetar.
Modificações da relação com a alimentação e com a higiene
pessoal; por fim, dissociação e transes espontâneos ou
induzidos pelos mais variados acontecimentos.
Que qualidade deve ter um médico que colabore com
um exorcista? Digo simplesmente: a verdade, segundo a
ciência, ou seja, conhecendo os próprios limites.
É necessário renunciar ao próprio eu e formular o
diagnóstico requerido apenas para ajudar o exorcista: o
médico não é chamado a exorcizar, mas a discernir.
Dr. Simone Morabito (psiquiatra de Bergamo)
(Recordemos o livro: Osichiatra all’inferno (Um psiquiatra
no inferno), Ed. Segno, que nos relata numerosos casos
narrados pelos próprios pacientes).
As
qualidades que um psiquiatra deve ter para poder ajudar um
exorcista são: fé viva, profundamente viva; deve
também se exercitar continuamente nas sete virtudes
fundamentais e teológicas, já que o demônio ataca o homem,
sobretudo na sua vida espiritual.
Como
pode, um médico, diagnosticar uma patologia nas virtudes, se
ele próprio não as puser em prática com o auxílio do
Espírito Santo?
As
virtudes fundamentais não são apenas expressão de equilíbrio
moral, mas também do bom funcionamento do córtex cerebral.
Qualquer médico é sempre levado a formular um diagnóstico,
mesmo que esteja errado; infelizmente, das universidades
italianas saem formados psiquiatras positivistas, que na
maioria dos casos são ateus ou contrários à religião. Como
poderiam diagnosticar que no paciente se possa configurar
uma “patologia da alma”, se eles são os primeiros a
não acreditar e a não querer acreditar?
Nas
universidades italianas, quanto mais ateu for mais
facilidade se tem na carreira e, quanto mais crente for,
maior o grau de exclusão a que está sujeito. Um
psiquiatra, para poder ajudar um exorcista, tem de rezar.
Rezar por si próprio e saber rezar pelos outros.
E permita-me dizer também outra verdade: deve ter uma
intimidade filial com a Santa Mãe de Deus e confiança na
humilde oração mariana.
Explico melhor: no início, quando me interessei pela
patologia dos possessos pelo diabo, vinha tratando de uma
estudante universitária de Como. Esta moça demonstrava
tendências suicidas (embora não estivesse deprimida),
polifagia, bulimia; em poucas palavras, tinha uma fonte
excessiva, que a fazia engolir, recorria ao vômito, enfiando
os dedos na garganta.
O demônio é um mestre da camuflagem;
embora já tivesse visitado a paciente e a tivesse, até,
submetido a uma dezena de sessões de psicanálise, do ponto
de vista médico não havia nada que deixasse transparecer uma
gravíssima possessão diabólica, a qual ela tinha sem saber.
Esta
paciente foi exorcizada por um exorcista muito experiente
durante mais de um ano; manifestava uma violência
indescritível. Certo dia, durante uma sessão de
psicanálise, sendo eu uma pessoa que reza e que já tinha
tido experiência de assistir alguns casos de possessão
diabólica, pedi a ela que rezasse comigo.
Imediatamente, houve tamanha reação que, se não tivesse fé
na presença de Jesus e Maria, teria tido um enfarte.
Destruiu o consultório.
É a experiência de casos vistos junto a exorcistas
experientes que torna útil o relacionamento entre exorcista
e psiquiatra.
As sutilezas diabólicas, que enganam até psiquiatras
ateus, são diagnosticadas mais pela fé do que pela ciência;
é como se eu fosse um médico para a fé, enquanto que a
ciência me confirma aquilo que a fé me deu a descobrir. O
processo inverso é praticamente impossível.
Considero que um psiquiatra ateu é um verdadeiro desastre no
seu relacionamento com o exorcista;
se é verdade que na patologia mental ou psicossomática do
endemoninhado existem sintomas muito atenuados de síndromes
mentais diferentes, estes são de tal maneira sutis que até o
mais experiente dos clínicos teria dificuldade em
identificá-los.
Porém,
desaprovo alguns exorcistas que querem desempenhar a todo o
custo a função do psiquiatra: na realidade, a psiquiatria
é uma ciência muito difícil e complexa. Certamente que o
ideal seria um profundo conúbio entre o exorcista e o
psiquiatra, já que certos poderes devastadores ficariam mais
claros para o primeiro e, quero acrescentar, certas
dinâmicas científico-religiosas passariam pelos raios do
Espírito Santo o pobre doente que temos à nossa frente.
É igualmente importante a ajuda do psiquiatra no fim do
exorcismo para restabelecer aquelas forças psicossomáticas
que foram anuladas pelo inimigo do homem.
Dr. Salvador Di Salvo (psiquiatra de Turim)
A grandeza do tema e a necessidade de síntese
tornam a minha tarefa muito difícil, até porque o material
de que disponho é abundante (refiro-me a artigos e
trabalhos sobre o tema da relação entre a demonologia e a
psiquiatria) e uma síntese é realmente impossível.
Proponho algumas reflexões baseadas na colaboração ainda
ativa, com um grupo de exorcistas da diocese de Turim. Isto
porque já muito foi falado e, por outro lado, porque não me
sinto capaz de responder elaborando uma espécie de decálogo
da relação médico-exorcista.
Esclareço que o que direi em seguida se baseia quer no fato
de ser um psiquiatra que há mais de vinte anos trabalha numa
clínica psiquiátrica, quer no fato da minha formação
analítica (sou um analista junguiano, membro da
Internacional Association for Analytical Psychology).
As
reflexões de que falava antes podem ser resumidas da
seguinte maneira:
1- Crítica da presunção e arrogância da
“ciência” quando afirma possuir a verdade absoluta.
2- Existem fenômenos em relação aos
quais a ciência, se realmente é tal, deve reconhecer
que não é capaz de fornecer uma explicação “objetiva”,
já que pertencem à esfera daquilo que não pode ser
objetivamente demonstrável.
3- Convicção da existência do Mal,
não como entidade abstrata, mas como realidade
concreta que intervém nas coisas humanas.
Estas reflexões me parecem extremamente importantes
para determinar, no médico, a possibilidade de
colaborar com o exorcista, esclarecendo desde logo
que cada qual intervém estritamente no próprio âmbito de
trabalho: ao psiquiatra cabe-lhe a tarefa da
intervenção psicofarmacológica e de apoio psicoterapêutica;
ao exorcista cabe a tarefa da “luta” contra o Mal.
Isto, obviamente, é válido nas inúmeras situações em que,
na mesma pessoa, se verifica a presença de perturbações
psíquicas e de perturbações maléficas.
Reitero a importância do psiquiatra e do exorcista
intervirem nos limites estritos dos próprios âmbitos de
trabalho, resistindo à tentação muito comum em inúmeras
pessoas, acompanhadas simultaneamente pelo psiquiatra e pelo
exorcista, de interferir e cruzar informações (por exemplo,
perguntando ao psiquiatra se é verdade que está possesso
pelo demônio ou perguntando ao exorcista se deve tomar
medicamentos).
É igualmente importante que os dois “especialistas”, num
clima de colaboração, dialoguem pessoalmente e comparem
dados e informações sobre a pessoa que estão tratando,
ou seja, com intervenções bem diferentes e separadas, e
troca de pareceres, comentários e impressões.
Uma última consideração: a importância enorme
da informação, tanto para o exorcista como para o
psiquiatra. Isto é, estou convicto de que o
psiquiatra tem de conhecer os principais livros sobre
demonologia; e que o exorcista, de mesmo modo,
deve conhecer os sintomas mais evidentes das principais
perturbações psíquicas.
Este
conhecimento recíproco facilita a ambos a tarefa de
discernir (embora não se trate apenas de um fato de
conhecimentos) e, sobretudo, torna mais eficazes os
recíprocos envios – do exorcista para o psiquiatra e
do psiquiatra para o exorcista.
Dr. Alessandro Tamino (psiquiatra de Roma)
O que
são o diabo e a possessão diabólica para mim, psiquiatra?
São
algumas das muitas metáforas que se pode utilizar para
descrever alguns aspectos da nossa experiência sensível.
Outra metáfora possível é, por exemplo, a psique. As duas
diferentes metáforas não são, por assim dizer, inocentes.
Cada
uma pertence a um universo simbólico específico, a uma
cultura particular; e a escolha de cada um destes modelos
causa efeitos bastante específicos no momento em que são
utilizados. Por exemplo, a referência a outro modelo
implica, pelo contrário, que nos viremos para o
psicoterapeuta.
Deste modo, uma determinada dificuldade pode ser
lida e interpretada numa lógica de tipo sobrenatural, ou
então numa lógica naturalista, uma vez que não são possíveis
misturas entre dois símbolos tão diferentes.
Na
realidade, as coisas não são assim tão simples e os limites
não são tão facilmente identificáveis. Um elemento que
enriquece muito o quadro, ou o complica ainda mais, é a
constatação de que a consciência, bem longe de ser uma
construção de um só andar, na realidade, revela-se como um
produto com sobreposição de vários níveis, boa parte dos
quais subterrâneos, não diretamente perceptíveis, mas ativos
e, portanto, só indiretamente apreciáveis.
Isto
implica que em cada um de nós possam conviver vários modelos
culturais, distintamente combinados e dispostos em vários
níveis de consciência e, até, potencialmente opostos.
Uma pessoa que declara não crer, mas que se formou
culturalmente numa sociedade como a nossa, em que os valores
religiosos estão bastante arraigados, no seu íntimo conserva
estes modelos culturais. Determinados acontecimentos
especiais da vida, como por exemplo,uma doença grave ou a
perda de uma pessoa querida, podem reativar sistemas de
valores que, por assim dizer, tinham ficado escondidos.
Mas mesmo sem chegar a polarização tão extremas e a
contextos dramáticos, é comum experienciar a convivência de
aspectos extremamente racionais e naturalistas com elementos
pertencentes a crenças tanto de âmbito mágico como de âmbito
religioso.
Até porque os novos modelos são construídos, pelo
menos em parte, baseados nos anteriores. Quem já assistiu a
algumas manifestações aparentemente laicas, que se
desenrolam nos países que antigamente se definiam “do
socialismo real”, com certeza pareciam viver em uma
atmosfera quase religiosa.
Palavras como rito, liturgia são utilizadas no domínio comum
também para descrever acontecimentos que não se referem à
dimensão sobrenatural. Podemos quase afirmar que nenhum de
nós pode se dizer totalmente um descrente; nenhum de nós
pode dizer-se totalmente um crente.
A dúvida acompanha qualquer sistema de valores,
sobretudo, numa sociedade como a nossa, caracterizada por
múltiplas sobreposições culturais. Mas a dúvida não é apenas
um incômodo caruncho; é também o elemento que permite que o
sistema de crenças se modifique, aceite contribuições que
antes lhe eram alheias.
Quase
como uma espécie vivente que consegue sobreviver graças à
sua plasticidade genética, assim as culturas modificam-se
continuamente, criando novos argumentos. Parece, portanto,
possível a existência de uma coabitação ou mistura cultural;
aliás, parece mesmo útil, fornecendo a cada sistema de
crenças valores que enriquecem a pessoa que os partilha.
Mas na realidade nem sempre é assim; bem ao
contrário. Uma vez que para todos nós a questão apresenta
outros elementos, precisamente nos valores culturais. Mas a
identidade não é algo constantemente igual, ao contrário,
assistimos a sua contínua adaptação, e todas as situações
exigentes da vida colocam-na em risco; e uma sua
reorganização está na base da superação de um período
crítico.
Por isso, quem desempenha atividade de terapeuta deve ter
uma identidade bastante definida e relativamente estável;
quer para se sentir protegido e não contagiado pela crise de
identidade da pessoa que está tentando ajudar, para lhe
fornecer um ponto de referência protetor.
Quando se tem de lidar com o doloroso e
perigoso caminho da intervenção no sofrimento dos outros,
não se pode fazer confusão. Quem de nós se
entregaria, num mar em tempestade, a dois capitães
diferentes que, ao mesmo tempo, utilizam diferentes
meridianos ou, talvez pior ainda, que confiança merece um
capitão que não decidiu a que meridiano deve ater-se e que
eventualmente muda, precisamente no momento mais perigoso, o
tipo de sextante?
Por esta razão, o paciente que se dirige a vários
terapeutas de áreas culturais diferentes para resolver o
mesmo problema, em vez de somar benefícios, freqüentemente
limita a credibilidade e a eficácia da intervenção. Estes
diferentes terapeutas podem mesmo intervir simultaneamente e
manter uma boa reação entre si; mas no fim, para que a
relação terapêutica possa ser eficaz, o paciente terá de
escolher um terapeuta e confiar nele completamente.
Não se
pode excluir, a priori, a eficácia de outras intervenções,
pertencente a áreas culturais diferentes; mas seria
desejável que, pelo menos, se realizassem em períodos
distintos. Isto obviamente na teoria, já que na prática,
sobretudo numa sociedade culturalmente complexa como a
nossa, quase sempre quem sofre bate em muitas portas ao
mesmo tempo.
Tanto é verdade que chegamos mesmo a colocar a
hipótese de uma espécie de coordenação, por parte do
paciente, das figuras que desempenham uma função
terapêutica, como se existisse uma parte relativamente
saudável e razoável capaz de, freqüentemente inconsciente,
dirigir o processo terapêutico, por vezes de maneira
bastante eficaz.
De
qualquer maneira, em todo o caso não pode existir para nós,
terapeutas, uma regra geral e tranqüilizante à qual possamos
entregar-nos serenamente. Mas é necessário, com esforço e
caso a caso, avaliar quando intervir em vários níveis pode
ser uma opção necessária, ou, quando pelo contrário, for uma
intervenção confusa e ineficaz.
É por estas razões que falo de presença simultânea do
exorcista e do psiquiatra e não apenas de colaboração.
As duas figuras podem coexistir e, de fato, ajudar-se
reciprocamente em alguns casos; mas não colaborar como se
fossem dois médicos especialistas diferentes, ou dois
religiosos. Não cabe à ciência avaliar a fé;
não cabe á fé delimitar a área de intervenção do método
científico. E o paciente pode beneficiar-se com a
clareza, nunca com a confusão das funções e dos papéis que
cada um desempenha.
Quem escreve estas linhas já há cerca de três anos
promove uma investigação, juntamente com outros colegas e
uma antropóloga, sobre o tema do exorcismo. A estrutura a
que fazemos referência, ou seja, a cátedra de psiquiatria da
Universidade de Roma “Tor Vergata”, dirigida pelo prof.
Nicola Ciani, de fato, tem uma antiga tradição de estudos
sobre a relação entre a psiquiatria e a cultura.
Prosseguir com esta pesquisa implicou para nós a
necessidade de discutir e redefinir o nosso papel. Em todas
as pesquisas médicas, como facilmente se intui, há razões
éticas que impedem uma rígida subdivisão entre a pesquisa e
a atividade terapêutica. É compreensível, portanto, que em
muitas ocasiões me tenha sentido no dever de “ser médico”, e
não apenas investigador, desempenhando por isso uma função
pelo menos complementar (aparentemente) à do exorcista.
Vice-versa em alguns casos mesmo, fomos nós quem
propusemos aos nossos pacientes um encontro com o exorcista,
mesmo que no âmbito de uma leitura totalmente psicológica da
função do Sacerdote. Mas sempre na distinção das
funções, distinção que deve ser explicita ao paciente.
Num contributo sobre o tema da relação entre
o exorcista e o psiquiatra, parece-me que este seja
o ponto central da questão: a possibilidade de uma
presença simultânea das duas figuras e a sua estreita
interação; mas, salvaguardando claramente a função
de cada qual, evitando situações de confusão.
Infelizmente, é coisa que nem sempre acontece; e se
ilustrarmos o percurso daqueles que se dirigem ao exorcista,
em particular antes do encontro com o Padre Amorth (a cujos
exorcismos muitas vezes assisti), descreve-se um mundo
cheios de incertezas, uma nebulosa de exorcistas que se
consideram um pouco psicólogo-psiquiatras que apelam ao
sobrenatural, ou leigos que se proclamam curadores; e por aí
afora.
Só é possível tolerar o que é diferente de nós se
os limites da nossa identidade estiverem bem delineados.
O exorcista e o psiquiatra podem conviver na medida em
que salvaguardarem as suas diferenças e aceitarem as
respectivas áreas de incerteza.
Dr. Giovanni Guariglia (neurofisiologista de La
Spezia)
Em resposta ao seu pedido acerca das
características que um médico deve possuir para poder
coadjuvar um exorcista, apenas lhe posso falar da
minha experiência, já que atualmente não existe
nenhuma disciplina que possa preparar profissionalmente
alguém para o desempenho desta tarefa.
Suponho que aquilo que se exige de um Sacerdote para
que seja um bom exorcista (oração, caridade, humildade,
fé...) também é válido para um médico. Não que tais
características possam fazer-nos merecer o discernimento de
Deus, já que somos sempre pecadores; todavia, se
permanecermos na sua graça, é mais fácil utilizar os dons
que ele nos dispensa.
A colaboração com o exorcista é feita da seguinte
maneira: se o Sacerdote considera que a pessoa que a ele se
dirige sofre de perturbações psíquicas ou outras patologias,
envia-a a mim. Após ter ouvido atentamente a pessoa que em
questão escrevo um relatório com as minhas impressões.
A
maior parte das pessoas que me são enviadas têm
perturbações mentais ou psicológicas, salvo um ou
outro caso que manifesta perturbações mas não relacionadas
com patologias habituais. O exorcista já é capaz de
discernir quem sofre de fenômenos de possessão ou de
malefícios e apenas me envia aqueles casos que lhe parecem
essencialmente de foro médico. Nestes casos, não se
realizam exorcismos, mas orações, dando ao paciente
uma orientação de tipo espiritual.
A colaboração com o psiquiatra, que se serve também
do auxílio de uma psicóloga, é uma diretiva do nosso Bispo
que, há alguns anos, criou uma comissão que lidasse como os
casos propostos ao Sacerdote, com a finalidade de dar um
enquadramento ao fenômeno e de fazer um relatório periódico
acerca dos conteúdos.
De
minha parte, sirvo-me da minha experiência e peço ao Bom
Deus que me ajude a discernir bem. Todavia, não sou
capaz de afirmar com certeza se uma pessoa ou é vítima de um
maléfico: tudo isto é tarefa do Sacerdote. Posso
apenas indicar se existe uma patologia psicológica ou
psiquiátrica ao sacerdote com o objetivo de lhe facilitar a
tarefa.
Fonte: Extraído do Livro
"Exorcistas e Psiquiatras" - Pe. Gabriele Amorth - Ed.
Palavra & Prece.