Os Camaradas e os irmãos
Resumamos.
O bom senso cristão se choca a cada instante com a nova religião. O
católico está exposto a uma dessacralização geral; tudo se lhe mudou,
adaptou. Faz-se-lhe compreender que todas as religiões trazem a
salvação, que a Igreja acolhe indistintamente os cristãos separados e
mesmo o conjunto dos crentes, inclinem-se eles diante de Buda ou de
Krishna. Explica-se que os clérigos e os leigos são membros iguais do
“Povo de Deus” de modo que leigos designados para funções particulares
assumem tarefas clericais (vêem-se celebrar sozinhos os enterros e
encarregar-se do viático aos doentes, enquanto que os clérigos assumem
as tarefas dos leigos, se vestem como eles, vão trabalhar nas usinas, se
inscrevem nos sindicatos, fazem política. O novo direito canônico
reforça esta concepção. Ele confere prerrogativas inéditas aos fiéis,
reduzindo a diferença entre estes e os sacerdotes e instituindo o que
chama de “direitos”: teólogos leigos podem ter acesso às cátedras de
teologia nas universidades católicas, os fiéis participam do culto
divino no que estava reservado a certas ordens menores e à administração
de certos sacramentos: distribuição da comunhão, participação no
testemunho ministerial, nas cerimônias do casamento.
Fórmula suspeita, pois a doutrina de sempre ensina que a Igreja de Deus é a Igreja Católica.
De
outra parte lê-se que a Igreja de Deus “subsiste” na Igreja Católica.
Se se aceita esta formulação recente, pareceria que as comunidades
protestantes e ortodoxas façam igualmente parte dela, o que é falso, uma
vez que elas se separaram da única Igreja fundada por Jesus Cristo: Credo in unam sanctam Ecclesiam.
O
novo direito canônico foi redigido às pressas e na confusão, e a prova
disto é que, promulgado em janeiro de 1983, ele conhecia, em novembro do
mesmo ano, 114 modificações. Também isto desconcerta o cristão, que
tinha o hábito de se referir à legislação eclesiástica, como a qualquer
coisa de fixo.
Se,
como pai de família, ele tem a preocupação de educar bem seus filhos,
sendo praticamente assíduo ou afastado da prática dos sacramentos, as
decepções o esperam. As escolas católicas adotaram em numerosos casos a
co-educação, ministra-se nelas a educação sexual, o ensino religioso
desaparece nas classes superiores, não é raro encontrarem-se professores
com orientações socialistas, senão comunistas. Por ocasião de uma
questão que causou muito rumor no oeste da França, um destes educadores,
eliminado pelos pais e depois reintegrado pela direção diocesana,
apresentava assim sua defesa. “Seis meses depois de ter entrado em Notre
Dame, um pai de aluno quis simplesmente eliminar-me pois no início do
ano eu me havia apresentado sob todos os pontos de vista, político (de
esquerda), social, religioso... Não era possível, na sua opinião ser
professor de filosofia e socialista num estabelecimento privado”.
Um
outro caso que sucede no Norte: um novo diretor é nomeado numa escola
pela direção diocesana: os pais se dão conta, ao cabo de algum tempo, de
que ele é militante num sindicato de esquerda, de que se trata dum
sacerdote reduzido ao estado leigo e casado, de que seus filhos não
parecem ter sido batizados. Pelo Natal ele organiza uma festa para os
alunos e os pais, com a participação do Auxílio popular que é, como se
sabe, uma organização comunista. Então os católicos de boa vontade se
perguntam se é útil fazer esforços para pôr seus filhos na escola livre.
Numa
instituição para moças do centro de Paris, o catequista se apresenta
numa manhã como o capelão de Fresnes, que acompanha um jovem detento de
dezoito anos. Eles explicam às alunas que os prisioneiros se sentem
muito sós, que têm necessidade de afeição, de contatos com o exterior e
de correspondência. Se uma ou outra das alunas quiser tornar-se
protetora, ela pode dar seu nome e seu endereço. Mas, sobretudo, não se
deve falar disto aos pais, pois eles não compreendem estas coisas; isto
deve permanecer um assunto de jovens.
Noutro
lugar, é uma professora primária que é repreendida, desta vez por um
grupo de pais, por ter ensinado a seus alunos fórmulas de catecismo e a
Ave-Maria. Ela foi absolvida pelo bispo, coisa que não poderia ser mais
normal, mas que parece tão insólita que a carta foi reproduzida na
“Famille éducatrice” como se fora um acontecimento.
Como
entender isto? Quando o governo francês decidiu acabar com a escola
livre, ela se mostrou vulnerável porque, na quase totalidade dos casos,
não correspondia mais à sua missão, quer num ponto, quer em vários. Seus
adversários tinham motivos de dizer: que fazeis no sistema educativo?
Para que servis? Nós fazemos a mesma coisa; por que duas escolas?
Certamente encontram-se ainda reservas de fé e convém render homenagem a
numerosos professores conscientes de suas responsabilidades, mas o
ensino católico não se afirma mais de um modo claro em face da escola
pública, ele percorreu uma boa metade do caminho no qual o querem
comprometer os zeladores do laicismo. Foi-me relatado que, nas
manifestações, grupos haviam causado escândalo cantando “Queremos Deus
nas nossas escolas”. Os organizadores tinham secularizado o mais
possível os cantos, os slogans, os discursos afim de, diziam eles, não
pôr em posição embaraçosa as pessoas que tinham vindo sem preocupações
religiosas particulares, e entre as quais se encontravam descrentes e
até socialistas.
É
fazer política querer afastar o comunismo e o socialismo de nossas
escolas? O católico sempre pensou que a Igreja se opunha a estas
doutrinas devido ao ateísmo militante que elas professam. Ele tem visto
perfeitamente razão quanto ao princípio e quanto às aplicações: o
ateísmo determina modos radicalmente diferentes de conceber o sentido da
vida, o destino das nações, as orientações da sociedade. Houve tanto
mais estranheza ao ler em Le Monde de 5 de junho de 1984 que Dom
Lustiger, respondendo às perguntas deste jornal e exprimindo de resto
várias idéias muito justas, se queixa de ter visto escapar uma
oportunidade histórica com o voto do Parlamento sobre a escola livre.
Esta oportunidade, explica ele, consistia em encontrar, em acordo com os
social-comunistas, um certo número de valores fundamentais para a
educação das crianças. Que valores fundamentais comuns pode haver entre a
esquerda marxista e a doutrina cristã?
É tudo o oposto.
Mas o católico vê com surpresa intensificar-se o diálogo entre a hierarquia eclesiástica e os comunistas.
Os
dirigentes soviéticos, e também terroristas como Yasser Arafat são
recebidos no Vaticano. O concílio deu o tom, recusando renovar a
condenação do comunismo. Não encontrando sinal desta condenação nos
esquemas que lhes eram submetidos, quatrocentos e cinqüenta bispos,
lembremo-lo, tinham assinado uma carta reclamando uma revisão neste
sentido. Eles se apoiavam nas condenações passadas e, em particular, na
afirmação de Pio XI que qualificava o comunismo de “intrinsecamente
perverso”, significando com isto que não havia nesta ideologia aspectos
negativos e aspectos positivos, mas que se devia rejeitá-lo em sua
integralidade. Tem-se lembrança do que adveio daí: a emenda não foi
transmitida aos padres, o secretariado central do concílio declarou não
ter tido conhecimento dela, depois a comissão admitiu que a tinha
recebido mas demasiadamente tarde, o que não era exato. Foi um
escândalo, que terminou pela anexação, por ordem do papa, à constituição
Gaudium et spes, duma passagem alusiva sem grande alcance.
Quantas
declarações de bispos para justificar, senão para encorajar a
colaboração com os comunistas, independentemente do ateísmo ostensivo!
“Não compete a mim, mas aos cristãos, que são adultos responsáveis,
dizia Dom Matagrin, ver em que condições eles podem colaborar com os
comunistas.” Para Dom Delorme os cristãos devem “lutar por mais justiça
no mundo com todos os que são animados pela justiça e pela liberdade,
inclusive os comunistas”. É o mesmo tom em Dom Poupard que incita a
“trabalhar com todos os homens de boa vontade em todas as obras da
justiça onde se constrói incansavelmente um mundo novo”.
Num
boletim diocesano, a oração fúnebre dum padre operário foi arranjada
assim: “Ele tomou o partido do mundo dos trabalhadores por ocasião das
eleições municipais. Não podia ser o sacerdote de todos, ele optou por
aqueles que faziam a escolha da sociedade socialista. Foi duro para ele.
Criou-se inimigos, mas também muitos novos amigos. Tito Paulo era um
homem posicionado”. Um bispo dissuadia, há pouco tempo, seus sacerdotes
de falar nas suas paróquias da obra “ajuda à Igreja na miséria” dizendo:
“minha impressão é que esta obra se apresenta sob aparências muito
exclusivamente anticomunistas.”
Verifica-se
com assombro que a excusa dada a este gênero de colaboração repousa
sobre a noção, falsa em si mesma, de que o partido comunista teria por
objetivo instaurar a justiça e a liberdade. É preciso relembrar sobre
este assunto as palavras de Pio IX: ”Se os fiéis se deixam enganar pelos
promotores das manobras atuais, se consentem em conspirar com eles para
os sistemas perversos do socialismo e do comunismo, que o saibam e o
considerem seriamente: acumulam para si mesmos e junto do divino Juiz
tesouros de vingança no dia da cólera; e, na espera disto, não provirá
desta conspiração nenhuma vantagem temporal para o povo, mas antes um
aumento de misérias e de calamidades.”
Basta,
para ver a justeza desta advertência lançada em 1849, há mais de cento e
quarenta anos, observar o que se passa em todos os países colocados sob
o jugo comunista. Os acontecimentos deram razão ao papa do Syllabus e,
não obstante isto, a ilusão continua viva e mesmo se acentua. Mesmo na
Polônia país católico entre todos, os pastores não apresentam mais a
questão da fé católica e da salvação das almas como primordial e que
deve fazer aceitar todos os sacrifícios, inclusive o da vida. O que mais
importa no seu espírito é não provocar ruptura com Moscou, o que
permite a Moscou reduzir a uma escravidão ainda mais completa o povo
polonês, sem encontrar a verdadeira resistência.
O padre Floridil mostra com clareza os compromissos da “Ostpolitik” vaticana1:
“É
sabido que os bispos tchecoslovacos consagrados por Mons. Casaroli são
colaboradores do regime, como o são os bispos que dependem do
patriarcado de Moscou... Feliz de ter podido dar um bispo a cada diocese
húngara, o papa Paulo VI rendeu homenagem a Janos Kadar, primeiro
secretário do partido comunista húngaro” principal promotor e o mais
autorizado da normalização das relações entre a Santa Sé e a Hungria”.
Mas o papa não dizia o preço elevado pelo qual tinha sido paga esta
normalização: a instalação em postos importantes da Igreja de “padres da
paz”... De fato, grande foi o estupor dos católicos quando ouviram o
sucessor do cardeal Mindzenty, o cardeal Laszlo Lekai, prometer
intensificar o diálogo entre católicos e marxistas”. Falando da
perversidade intrínseca do comunismo, Pio XI acrescentava: “e não se
pode admitir em nenhum terreno a colaboração com ele da parte de
qualquer que deseja salvar a civilização cristã!!
Esta
ruptura com o ensino da Igreja, ajuntando-se àquelas que enumerei, nos
briga a afirmar que o Vaticano está ocupado por modernistas e por
homens deste mundo que acreditam encontrar nas astúcias humanas e
diplomáticas mais eficácia para a salvação do mundo do que aquilo que
foi instituído pelo divino fundador da Igreja.
Citei
o cardeal Mindszenty; como ele, todos os heróis e os mártires do
comunismo, em particular os cardeais Beran, Stepinac, Wyszynski, Slipyi
são considerados como testemunhas embaraçosas pela atual diplomacia
vaticana e, digamo-lo como reprovações mudas no que respeita aos
primeiros, hoje adormecidos na paz do Senhor, enquanto que se abafa a
grande voz do cardeal Slipyi.
As
mesmas aproximações se realizaram com a franco-maçonaria, não obstante a
declaração desprovida de ambigüidade da Congregação para a Doutrina da
Fé em fevereiro de 1981, à qual havia precedido uma declaração da
Conferência episcopal alemã em abril de 1980. Mas o novo direito
canônico não faz menção delas e não formula expressamente nenhuma
sanção. Os católicos souberam anteriormente que os maçons B'nai Brith
tinham sido recebidos no Vaticano e, numa data recente, o arcebispo de
Paris acolhia, para uma conversa, o grão mestre duma loja, enquanto
certos eclesiásticos não se cansam de querer reconciliar a Sinagoga de
Satã com a Igreja de Cristo.
Tranqüilizam-se
os católicos dizendo-lhes como para o resto: “A condenação das seitas
ontem era talvez fundada, mas os irmãos tripingados não são mais aqueles
que eram”. “Vejamo-los então agindo. O escândalo da loja P2, na Itália,
está ainda bem fresco nas memórias. Na França não há dúvida de que a
lei laica contra o ensino livre é antes de tudo obra do Grande Oriente,
que multiplicou as pressões junto do Presidente da República e de seus
filiados presentes no governo e nos gabinetes ministeriais para que se
realize enfim o “grande serviço da educação nacional”. Eles agiram
mesmo, desta vez, às claras; jornais como Le Monde fizeram regularmente a
justificação de suas negociações, seu plano e sua estratégia foram
publicadas em suas revistas.
Devo
acrescentar que a maçonaria é sempre o que era? O antigo grão mestre do
Grande Oriente, Jacques Mitterand, que confessava pela rádio em 1969:
“Nós tivemos sempre bispos e padres nas nossas lojas”, fazia a seguinte
profissão de fé: “Se colocar o Homem sobre o altar em vez de nele
colocar Deus é o pecado de Lúcifer, todos os humanistas desde o
Renascimento cometem este pecado. “ Esta foi uma das censuras invocadas
contra os franco-maçons, quando foram excomungados pela primeira vez
pelo papa Clemente XII em 1738. Em 1982, o grão mestre Jorge Marcou não
dizia outra coisa: ”É o problema do homem que prevalece.” Na primeira
ordem de suas preocupações, quando foi reeleito figurava o abono do
aborto pelo seguro social, “passando por esta medida a igualdade
econômica das mulheres.”
Os
franco-maçons penetram na Igreja. Em 1976, informava-se de que aquele
que tinha sido a alma da reforma litúrgica, Mons. Bugnini, era
franco-maçon. Pode-se julgar, desta revelação, que não era ele o único. O
véu que cobria a maior mistificação da qual o clero e os fiéis foram
objeto começava a rasgar-se. Vê-se mais claro com o tempo e os
adversários seculares da Igreja também: ”Há alguma coisa que mudou na
Igreja, escreve Jacques Mitterand, as respostas formuladas pelo papa às
questões mais candentes, como o celibato dos padres ou a regulação dos
nascimentos, são ardentemente contestadas no seio da própria Igreja; a
palavra do Soberano Pontífice é questionada por certos bispos, por
padres, por fiéis. Para o franco-maçon o homem que discute o dogma já é
um franco-maçon sem avental.”
Um
outro irmão, M. Marsaudon, do rito escocês, fala assim do ecumenismo
cultivado no decurso do concílio: ”Os católicos, particularmente os
conservadores, não se deverão esquecer por isso de que todo o caminho
conduz a Deus. E (deverão) manter-se nesta corajosa noção de liberdade
de pensamento que, pode-se verdadeiramente falar aí de revolução,
oriunda de nossas lojas maçônicas, se estendem magnificamente sobre a
cúpula de São Pedro”.
Eu
queria citar-vos ainda um texto próprio a esclarecer esta questão e
mostrando quem espera ser o vencedor do outro na reaproximação
preconizada pelo abade Six e pelo padre Riquet. Ele é extraído da
revista maçônica Humanismo, número de novembro-dezembro de 1968. “Entre
os pilares que desabariam mais facilmente, citemos o poder doutrinal
dotado de infalibilidade que tinha acreditado solidificar, transcorridos
cem anos, o primeiro concílio do Vaticano, e que acaba de suportar
assaltos conjugados na ocasião do aparecimento da encíclica Humanae
Vitae; a presença real eucarística que a Igreja tinha conseguido impor
às massas medievais e que desaparecerá com o progresso das
intercomunicações e das concelebrações entre padres católicos e pastores
protestantes; o caráter sagrado do sacerdote, que decorria da
instituição do sacramento do Ordem e que cederá o lugar a um caráter
eletivo e temporário; a distinção entre a Igreja dirigente e o clero
“negro”, operando-se o movimento, de agora em diante da base para cima,
como em toda democracia; a desaparição progressiva do caráter ontológico
e metafísico dos sacramentos e, com toda a certeza, a morte da
confissão, tornando-se o pecado na nossa civilização uma das noções mais
anacrônicas que nos legou a severa filosofia da Idade Média, herdeira
do pessimismo bíblico.”
Notar-se-á
que os franco-maçons estão prodigiosamente interessados no futuro da
Igreja, mas é para devorá-la. Os católicos devem sabê-lo, não obstante
as sereias que procuram fazê-los dormir, e todas estas forças
destruidoras são estreitamente dependentes umas das outras. A maçonaria
se define como a filosofia do liberalismo, cuja forma aguda é o
socialismo. O conjunto se agrupa muito bem sob o termo empregado por
Nosso Senhor: ”as Portas do inferno”.
Dom Marcel Lefebvre
Dom Marcel Lefebvre