Construir, não destruir
Vinte
anos se passaram, podia-se crer que as reações suscitadas pelas
reformas conciliares se apaziguariam, que os católicos perderiam a
esperança na religião na qual haviam sido criados, que os mais jovens,
não a tendo conhecido, entrariam nas fileiras da nova. Tal era ao menos a
aposta feita pelos modernistas. Eles não se admiravam demasiadamente
das contracorrentes, seguros de si mesmos nos primeiros tempos. Eles o
ficaram menos em seguida: as múltiplas e essenciais concessões feitas ao
espírito do mundo não davam os resultados antecipadamente gozados,
ninguém queria mais ser sacerdote do novo culto, os fiéis se afastavam
da prática religiosa, a Igreja que se queria a Igreja dos pobres
tornava-se uma Igreja pobre, obrigada a recorrer à publicidade para
fazer recolher o dinheiro do culto, e a vender seus imóveis.
Durante
este tempo, a fidelidade à tradição se fortificava em todos os países
cristãos e particularmente na França, na Suíça, nos Estados Unidos, na
América Latina. O artífice da nova missa, Mons. Aníbal Bugnini, foi ele
mesmo obrigado a verificar esta resistência mundial no seu livro póstumo1.
Resistência que não cessa de se desenvolver, de se organizar, de atrair
o mundo. Não, o movimento “tradicionalista” não está “em perda de
velocidade”, como escrevem de tempos em tempos os jornalistas
progressistas para se tranqüilizarem. Onde há tanta gente na missa como
em São Nicolau de Chardonnet, e também tantas missas, tantas visitas ao
Santíssimo Sacramento, tantos belos ofícios? A Fraternidade de São Pio X
conta no mundo setenta casas com ao menos um sacerdote, igrejas como a
de Bruxelas, a que compramos ultimamente em Londres, a que foi colocada à
nossa disposição em Marselha, escolas, quatro seminários.
Carmelos
se abrem e já enxameiam. As comunidades de religiosos e de religiosas,
criadas desde uma quinzena de anos ou mais e que aplicam estritamente a
regra das ordens de que dependem, regurgitam de vocações, é preciso sem
cessar ampliar os alojamentos, construir novos edifícios. A generosidade
dos católicos fiéis não deixa de maravilhar-me, particularmente na
França.
Os
mosteiros são centros de irradiação, para aí se dirigem em grande
número e freqüentemente de muito longe; jovens extraviados pelas
ilusórias seduções do prazer e da evasão sob todas as suas formas aí
encontram seu caminho de Damasco. Ser-me-ia preciso citar todos os
lugares onde se conserva a verdadeira fé católica e que por esta razão
atraem: Le Barroux, Flavigny sur Ozeraim, La Haye-aux-Bonshommes, as
beneditinas de Alès, de Samairé, as irmãs de Fanjeaux, de Brignoles, de
Pontcallec, as comunidades do padre Lecareux.
Viajando
muito, eu vejo claramente por toda a parte a mão de Cristo que abençoa a
sua Igreja. No México, o povo humilde expulsou das igrejas o clero
reformador conquistado pela pretensa teologia da libertação, o qual
queria retirar as estátuas de santos. “Não são as estátuas que partirão,
sois vós”. As condições políticas nos impediram de fundar uma casa no
México; é dum centro instalado em El Paso, na fronteira dos Estados
Unidos, que irradiam os sacerdotes fiéis. Os descendentes dos Cristeros
lhes fazem festa e lhes oferecem suas igrejas. Eu administrei ali 2.500
confirmações, chamado pela população.
Nos
Estados Unidos, os jovens casais com numerosos filhos vão ter com os
padres da Fraternidade. Em 1982 ordenei neste país os três primeiros
sacerdotes formados inteiramente nos nossos seminários. Os grupos
tradicionais se multiplicam, enquanto que as paróquias se degradam. A
Irlanda que havia permanecido refratária às novidades, fez sua reforma
desde 1980, altares foram lançados nos rios ou reutilizados como
material de construção. Simultaneamente se formavam grupos em Dublin e
em Belfast. No Brasil, na diocese de Campos, da qual já falei, a
população ficou agrupada em torno dos padres excluídos de suas paróquias
pelo novo bispo; desfiles de 5.000, 10.000 pessoas percorreram as ruas.
É
portanto o bom caminho que nós seguimos; a prova está aí, a árvore se
reconhece pelos seus frutos. O que fizeram clérigos e leigos apesar da
perseguição do clero liberal — pois, dizia Luis Veuillot “nada há mais
sectário do que um liberal” — é quase miraculoso.
Não
vos deixeis iludir, caros leitores, pelo termo ”tradicionalista” que se
tenta fazer tomar em mau sentido. É de certo modo um pleonasmo, pois
não vejo o que pode ser um católico que não fosse tradicionalista. Creio
tê-lo demonstrado neste livro, a Igreja é uma tradição. Nós somos uma
tradição. Fala-se também de “integrismo”; se se entende com isto o
respeito da integridade do dogma, do catecismo, da moral cristã, do
Santo Sacrifício da Missa, então sim nós somos integristas. Mas eu não
vejo como possa ser católico quem não fosse integrista neste sentido.
Escreve-se
também que minha obra desaparecerá depois de mim, porque não haverá
bispos para substituir-me. Estou certo do contrário, não tenho
inquietação alguma. Posso morrer amanhã, o Bom Deus tem todas as
soluções. Encontrar-se-ão pelo mundo, eu o sei, bispos suficientes para
ordenar nossos seminaristas. Mesmo se ele se cala hoje em dia, um ou
outro destes bispos receberia do Espírito Santo a coragem de se erguer a
seu turno. Se minha obra é de Deus, Ele saberá mantê-la e fazê-la
servir ao bem da Igreja. Nosso Senhor no-lo prometeu: as portas do
inferno não prevalecerão contra ela.
É
por isso que eu me obstino, e se quereis conhecer a razão profunda
desta obstinação, ei-la. Eu não quero, na hora de minha morte, quando
Nosso Senhor me perguntar: “Que fizeste de teu episcopado, da tua graça
episcopal e sacerdotal?” ouvir de sua boca estas palavras terríveis: “Tu
contribuíste para destruir a Igreja com os outros.”
Dom Marcel Lefebvre
Dom Marcel Lefebvre