O novo batismo, o novo casamento, a nova penitência, a nova extrema-unção.
O
católico, seja ele um praticante regular ou um que reencontra o caminho
da igreja nos grandes momentos da vida, é levado a fazer-se perguntas
no fundo tais como esta: o que é o batismo?
É
um fenômeno novo: não há muito tempo, qualquer um sabia responder e
ademais ninguém lhe perguntava. O primeiro efeito do batismo é a
remissão do pecado original, isto se sabia, transmitido de pai para
filho e de mãe para filha.
Mas
eis que não se fala mais disto em parte alguma. A cerimônia
simplificada que se realiza na igreja evoca o pecado num contexto tal
que parece tratar-se daquele ou daqueles que cometerá o batizado na sua
vida e não da falta original com a qual nós todos nascemos carregados.
O
batismo aparece por conseqüência simplesmente como um sacramento que
nos une a Deus, ou antes, nos faz aderir à comunidade. Assim se explica o
rito de “recepção” que se impõe em certos lugares como uma primeira
etapa, numa primeira cerimônia. Isto não é devido a iniciativas
particulares, uma vez que nós encontramos amplos desenvolvimentos sobre o
batismo por etapas nas fichas do Centro nacional de pastoral litúrgica.
Chama-se também batismo diferido. Após a recepção, o “encaminhamento”, a
“busca”, o sacramento será ou não administrado, quando a criança puder,
segundo os termos utilizados determinar-se livremente, o que pode
ocorrer numa idade bastante avançada, dezoito anos ou mais. Um professor
de dogmática muito apreciado na nova Igreja estabeleceu uma distinção
entre os cristãos cuja fé e cultura religiosa ele julga capaz de
atestar, e os outros — mais de três quartos do total — aos quais não
atribui senão uma fé suposta quando eles pedem o batismo para seus
filhos. Estes cristãos “da religião popular” são descobertos no decorrer
das reuniões de preparação e dissuadidos de ir além da cerimônia de
acolhimento. Esta maneira de agir seria “mais adaptada à situação
cultural de nossa civilização”.
Recentemente,
devendo um pároco do Somme inscrever duas crianças para a comunhão
solene, exigiu as certidões de batismo, que lhe foram enviadas pela
paróquia de origem da família. Ele verificou então que uma das crianças
tinha sido batizada mas que a outra não, contrariamente ao que
acreditavam os seus pais. Ela havia simplesmente sido inscrita no
registro de recepção. É uma das situações que resultam destas práticas; o
que se dá é efetivamente um simulacro de batismo, que os fiéis tomam de
boa fé pelo verdadeiro sacramento.
Que
tudo isto vos desconcerte é bem compreensível. Tendes também que fazer
frente a uma argumentação especiosa, que figura mesmo nos boletins
paroquiais, geralmente sob a forma de sugestões, de testemunhos
subscritos por nomes próprios, ou seja, anônimos. Lemos num deles que
Alamo e Evelina declaram: “O batismo não é um rito mágico que apagaria
por milagre qualquer pecado original. Nós cremos que a salvação é total,
gratuita e para todos: Deus escolheu todos os homens no seu amor, não
importa com que condição, ou antes sem condição. Para nós, fazer-se
batizar é decidir mudar de vida, é um compromisso pessoal que ninguém
pode assumir em vosso lugar, é uma decisão consciente que supõe uma
instrução prévia, etc.” Quantos erros monstruosos em poucas linhas! Elas
tendem a justificar um outro método: a supressão do batismo das
criancinhas. É ainda mais um alinhamento com os protestantes, com
desprezo do ensinamento da Igreja desde as origens, como escrevia Santo
Agostinho no fim do século IV: “O costume de batizar as crianças não é
uma inovação recente, mas o eco fiel da tradição apostólica. Este
costume por si só e fora de todo o documento escrito, constitui a regra
certa da verdade.” O concílio de Cartago no ano de 251 prescrevia que o
batismo fosse conferido às crianças “mesmo antes de seu oitavo dia” e a
Sagrada Congregação para a Doutrina de Fé relembrava esta obrigação a 21
de novembro de 1980 baseando-a “numa norma de tradição imemorial”1.
É
preciso que saibais disto para fazer valer um direito sagrado quando se
pretende recusar-vos a fazer participar os vossos recém-nascidos da
vida da graça. Os pais não esperam que seu filho tenha dezoito anos para
decidir em seu lugar sobre o seu regime alimentar ou sobre uma operação
cirúrgica necessária devido ao seu estado de saúde. Na ordem
sobrenatural seu dever é ainda mais imperioso e a fé que preside ao
sacramento quando a criança não é capaz de assumir por si mesma um
“compromisso pessoal”, é a fé da Igreja. Pensai na aterradora
responsabilidade que tereis privando vosso filho da vida eterna no
Paraíso. Nosso Senhor disse de um modo claro: “Ninguém pode entrar no
Reino de Deus se não renascer por meio da água e do Espírito Santo.”
Os
frutos desta pastoral singular não se fizeram esperar. Na diocese de
Paris em 1965 uma criança dentre duas era batizada, mas em 1976 só uma
dentre quatro. O clero duma paróquia dos arredores observa, sem mostrar
muito pesar por isso, que ocorriam ali 450 batismos em 1965 e 150 em
1976. Para o conjunto da França a baixa prossegue. De 1970 a 1981 a
cifra global descia de 596.673 a 530.385, enquanto que a população
crescia de mais de três milhões no mesmo tempo.
Tudo
isto provém do fato de se ter falseado a definição do batismo. Desde
que se cessou de dizer que ele apagava o pecado original, as pessoas
perguntaram: “Que é o batismo?” e logo depois: “Para que serve o
batismo?” Se elas não foram até este ponto, refletiram pelo menos nos
argumentos que lhes eram apresentados e admitiram que não se impunha a
urgência e que afinal de contas a criança poderia sempre, na
adolescência, engajar-se, se quisesse, como quem se inscreve num partido
ou num sindicato.
De
igual maneira se colocou a questão para o casamento. O matrimônio foi
sempre definido por seu fim principal, que era a procriação, e seu fim
secundário, que era o amor conjugal. Pois bem, no concílio, se quis
transformar esta definição e dizer que não havia mais fim primário, mas
que os dois fins que acabo de citar eram equivalentes. Foi o cardeal
Suenens que propôs esta mudança e eu me lembro ainda do cardeal Brown,
superior geral dos dominicanos, levantando-se para dizer: “Caveatis,
caveatis! (Tomai cuidado!) Se aceitamos esta definição, nós vamos contra
toda a Tradição da Igreja e pervertemos o sentido do matrimônio. Não
temos o direito de modificar as definições tradicionais da Igreja.”
Ele
citou textos em apoio de sua advertência e a emoção foi grande na nave
de São Pedro. O Santo Padre pediu ao cardeal Suenens que este moderasse
os termos que tinha empregado e mesmo os mudasse. A Constituição
pastoral Gaudium et Spes contém
mais de uma passagem ambígua, onde o acento é posto na procriação “sem
subestimar por isso os outros fins do matrimônio”. O verbo latino post habere permite
traduzir: “sem colocar em segundo plano os outros fins do casamento”, o
que significaria: pô-los todos no mesmo plano. É assim que se quer
entendê-lo hoje em dia; tudo o que se diz do casamento se liga à falsa
noção expressa pelo cardeal Suenens que o amor conjugal — que bem se
chamou simplesmente e mais cruamente “sexualidade” — vem à testa dos
fins do matrimônio. Conseqüência: a título da sexualidade, todos os atos
são permitidos: contracepção, limitação dos nascimentos, e enfim
aborto.
Uma má definição e eis-nos em plena desordem.
A
Igreja em sua liturgia tradicional, faz o padre dizer: “Senhor, assisti
em vossa bondade as instituições que vós estabelecestes para a
propagação do gênero humano...” Ela escolheu a passagem da Epístola de
São Paulo aos Efésios que precisa os deveres dos esposos, fazendo de
suas relações recíprocas uma imagem das relações que unem Cristo e a sua
Igreja. Hoje, muito freqüentemente, os próprios esposos são convidados a
compor a sua missa, sem mesmo serem obrigados a escolher a epístola nos
livros santos, substituindo-a por um texto profano, tomando uma
passagem do Evangelho sem relação com o sacramento recebido. O
sacerdote, em sua exortação, se acautela de fazer menção das exigências
às quais eles se devem submeter, por medo de apresentar uma imagem
rebarbativa da Igreja, eventualmente de chocar os divorciados presentes
na assistência.
Como
para o batismo, fizeram-se experiências de casamento por etapas ou
casamentos não sacramentais, que escandalizam os católicos; experiências
toleradas pelo episcopado, que se desenrolam segundo esquemas
fornecidos por organismos oficiais e encorajados por responsáveis
diocesanos. Uma ficha do Centro Jean-Bart indica algumas maneiras de
proceder. Eis uma delas: “Leitura do texto: o essencial é invisível aos
olhos (Epístola de São Pedro). Não houve aí troca de consentimentos, mas
uma liturgia sobre a mão, sinal do trabalho e da solidariedade
operária. Troca de alianças (sem bênção) em silêncio. Alusão à profissão
de Roberto: liga, soldadura (ele é chumbador). O beijo. O Padre-Nosso
pelos crentes da assistência. Ave Maria! Os jovens esposos depositam um
buquê de flores diante da estátua de Maria.”
Pôr
que Nosso Senhor teria instituído sacramentos se se devia substituí-los
por este gênero de cerimônia isenta de todo sobrenatural, à exceção das
duas preces que lhe põem termo? Falou-se muito de Lugny no Saona e
Loire, há alguns anos. Para motivar esta “liturgia de recepção” tinha-se
dito que se queria dar aos jovens pares o desejo de voltar para casar
de verdade em seguida. Dois anos mais tarde, dentre duzentos falsos
matrimônios, nenhum par tinha voltado para regularizar sua situação. Se
eles o tivessem feito, o pároco desta igreja teria oficializado e
acobertado com sua caução senão com sua bênção, no decorrer de 2 anos, o
que simplesmente não passava de um concubinato.
Uma
pesquisa de origem eclesiástica revelou que, em Paris, 23% das
paróquias tinham já efetuado celebrações sacramentais para casais dos
quais um dos membros, se não mesmo os dois, não era crente, com a
intenção de comprazer às famílias ou aos próprios noivos, freqüentemente
por preocupação com conveniências sociais. É escusado dizer que um
católico não tem o direito de assistir a tais encenações.
Quanto
aos pretensos casados, eles poderão sempre dizer que estiveram na
igreja e acabarão sem dúvida por acreditar na regularidade de sua
situação, à força de ver seus amigos seguir o mesmo caminho. Os fiéis
desorientados se perguntam se não é melhor isto do que nada. O
indiferentismo se instala; está-se disposto a aceitar qualquer outra
fórmula, o simples casamento na municipalidade ou ainda a co-habitação
juvenil, a propósito da qual tantos pais dão prova de “compreensão”,
para chegar à união livre. A descristianização total está em via de
concretizar-se; aos casais faltarão as graças que decorrem do sacramento
do matrimônio para educar seus filhos, se ao menos eles consentem em
tê-los. As rupturas destas uniões não santificadas se multiplicam a
ponto de inquietar o Conselho econômico e social, do qual uma relação
recente mostra que mesmo a sociedade laica tem consciência de correr
para a sua ruína em conseqüência da instabilidade das famílias ou das
pseudo-famílias.
A
extrema unção não é mais verdadeiramente o sacramento dos enfermos, o
sacramento dos doentes; é agora o sacramento dos velhos, alguns padres o
administram às pessoas em idade avançada que não apresentam nenhum
sinal particular de morte próxima. Ele não é mais o sacramento que
prepara para o último instante, que apaga os pecados antes da morte, e
que prepara a união definitiva com Deus. Tenho debaixo dos olhos uma
nota distribuída numa igreja de Paris a todos os fiéis para avisá-los da
data da próxima extrema-unção: “O sacramento dos enfermos é conferido
às pessoas ainda bem conservadas, em meio a toda a comunidade cristã,
durante a celebração eucarística. Data: no domingo, na missa das 11
horas.” Estas extremas-unções são inválidas.
O
mesmo espírito coletivista provocou a voga das celebrações
penitenciais. O sacramento da penitência não pode ser senão individual.
Por definição e conforme a sua essência, ele é, como lembrei mais acima,
um ato judiciário, um julgamento. Não se pode julgar sem estar a par de
uma causa; é preciso ouvir a causa de cada um para julgá-la e depois
perdoar ou reter os pecados. S. S. João Paulo II insistiu várias vezes
neste ponto, dizendo notadamente no dia 1°. de abril de 1983 a bispos
franceses que a confissão pessoal das faltas seguida da absolvição
individual “é antes de tudo uma exigência de ordem dogmática”. Por
conseguinte é impossível justificar as cerimônias de “reconciliação”
explicando que a disciplina eclesiástica se abrandou, que se adaptou às
exigências do mundo moderno. Não se trata de um caso de disciplina.
Havia
precedentemente uma exceção; a absolvição geral dada em caso de
naufrágio, de guerra: absolvição aliás cujo valor é discutido pelos
autores. Não é permitido fazer da exceção uma regra. Se se consultam os
Atos da Sé apostólica salientam-se as expressões seguintes tanto nos
lábios de Paulo VI como nos de João Paulo II em diversas ocasiões: “o
caráter excepcional da absolvição coletiva”, “em caso de grave
necessidade”, “caráter inteiramente excepcional”, “circunstâncias
excepcionais”...
As
celebrações deste gênero não deixaram, contudo, de se tornar um hábito,
sem, entretanto, serem freqüentes numa mesma paróquia, à falta de fiéis
dispostos a pôr-se em ordem com Deus mais de duas ou três vezes no ano.
Não se experimenta mais a necessidade disto, o que era de prever, visto
que a noção de pecado se extinguiu nos espíritos. Quantos sacerdotes
lembram a necessidade do sacramento da penitência? Um fiel me disse que,
confessando-se conforme os seus deslocamentos numa ou noutra das
igrejas parisienses onde ele sabe poder encontrar um “sacerdote de
acolhimento”, recebe freqüentemente as felicitações ou os agradecimentos
deste, todo surpreso de ter um penitente.
Estas
celebrações submetidas à criatividade dos “animadores” compreendem
cantos; ou então se coloca um disco. Depois se dá um lugar à liturgia da
palavra antes de uma prece litânica à qual a assembléia responde:
“Senhor, tende piedade do pecador que sou”, ou uma espécie de exame de
consciência geral. O “Eu pecador me confesso a Deus” precede a
absolvição dada uma vez por todas e a todos os assistentes, o que não
deixa de pôr um problema: uma pessoa presente que não a desejasse vai
receber a absolvição contra a sua vontade? Vejo numa folha roneotipada
distribuída aos participantes de uma destas cerimônias, em Lourdes, que o
responsável se coloca a questão: “Se desejamos receber a absolvição,
venhamos mergulhar nossas mãos na água da fonte e tracemos sobre nós o
sinal da cruz” e, no fim: “Sobre aqueles que se benzeram com o sinal da
cruz com a água da fonte o sacerdote impõe as mãos (?). Unamo-nos à sua
prece e recebamos o perdão de Deus.”
Um jornal católico inglês, The Universe, fazia-se,
há alguns anos, o defensor duma operação lançada por dois bispos e que
consistia em reaproximar da Igreja os fiéis que tinha há muito tempo
abandonado a prática religiosa. O apelo lançado pelos bispos
assemelhava-se aos comunicados publicados pelas famílias de adolescentes
fugitivos: “O pequeno X pode retornar à sua casa, não lhe será feita
nenhuma censura.”
Dizia-se
então a estes futuros filhos pródigos: “Vossos bispos vos convidam
durante esta Quaresma a rejubilar-vos e a celebrar. A Igreja oferece a
todos os seus filhos, à imitação de Cristo, o perdão de seus pecados,
com toda liberdade e facilidade, sem que eles o mereçam e sem que o
peçam. Ela os pressiona a aceitá-lo e lhes suplica que voltem para casa.
Há muitos que desejam retornar à Igreja após anos de afastamento, mas
eles não se podem resolver a ir confessar-se. Em todo o caso não
logo...”
Eles podiam então aceitar o oferecimento seguinte: “Na missa da estação à qual o
bispo assistirá no vosso decanato (aqui se mencionam o dia e a hora) todos os que
estiverem presentes serão convidados a aceitar o perdão de todos os seus pecados
passados.
Não lhes é necessário confessar-se neste momento. Ser-lhes-á suficiente
ter o pesar de seus pecados e o desejo de retornar a Deus, de confessar
seus pecados mais tarde após serem acolhidos de novo no aprisco.
“Esperando,
eles não têm senão que deixar Nosso Pai dos céus” estreitá-los em seus
braços e abraçá-los ternamente”! Mediante um ato generoso de
arrependimento o bispo concederá a todos os presentes que o desejarem, o
perdão de seus pecados. Eles podem então imediatamente voltar à santa
comunhão”...
O Jornal da Gruta,
folha bimensal de Lourdes, reproduzindo este curioso mandamento
episcopal impresso sob o título “General absolution. Communion now,
confession later” (“Absolvição geral. Comunhão já, confissão mais
tarde”) comentava-o assim: “Nossos leitores poderão dar-se conta do
espírito profundamente evangélico que o inspirou, assim como da
compreensão pastoral das situações concretas das pessoas.”
Eu
não sei o resultado que foi obtido, mas a questão é outra: a anistia
pronunciada pelos dois bispos evoca a liquidação dos estoques em fim de
semana comercial. Pode a pastoral tomar a dianteira sobre a doutrina a
ponto de levar à comunhão do Corpo de Cristo a fiéis dos quais muitos
estão provavelmente em estado de pecado mortal, após terem abandonado há
tantos anos a prática religiosa? Certamente não. Como encarar tão
levianamente pagar a conversão com sacrilégio? E esta conversão tem
porventura muitas probabilidades de ser seguida de perseverança? Em todo
caso pudemos verificar que antes do concílio e do aparecimento desta
pastoral de aceitação contavam-se 50 a 80.000 conversões por ano na
Inglaterra. Elas caíram quase a zero. A árvore se conhece pelos seus
frutos.
Os
católicos estão tão perplexos na Grã-Bretanha como na França. Um
pecador ou um apóstata que seguiu o conselho de seu bispo
apresentando-se à absolvição coletiva e à mesa sagrada nestas condições,
não corre o risco de perder sua confiança na validade de sacramentos
tão facilmente administrados? Que vai acontecer se, em conseqüência, ele
negligencia “regularizar” a situação confessando-se? Sua volta falha à
casa do Pai não fará senão tornar mais difícil uma conversão definitiva.
Eis
aonde termina o laxismo dogmático. Nas cerimônias penitenciais que se
praticam, dum modo menos extravagante, em nossas paróquias, que certeza
tem o cristão de estar verdadeiramente perdoado? Ele é abandonado às
inquietudes que conhecem os protestantes, aos tormentos interiores
provocados pela dúvida. Certamente não ganhou com a troca.
Se
a coisa é má no plano da validade, ela também o é no plano psicológico.
Assim, que absurdo conceder perdões coletivos, salvo, para as pessoas
que têm pecados graves, desde que se confessem em seguida! Elas não se
vão designar diante das outras como tendo pecados graves na consciência,
é evidente! É como se o segredo da confissão fosse violado.
Deve-se
acrescentar que o fiel que comungar após a absolvição coletiva, não
verá mais a necessidade de se apresentar de novo ao tribunal da
penitência e isto se compreende. As cerimônias de reconciliação não se
ajuntam pois à confissão auricular, elas a eliminam e a suplantam.
Está-se a caminho do desaparecimento do tribunal da penitência,
instituído como os seis outros pelo próprio Senhor. Nenhuma preocupação
pastoral poderia justificá-lo.
Para
que um sacramento seja válido é preciso a matéria, a forma e a
intenção. Isto nem mesmo o papa pode mudar. A matéria é de instituição
divina; o papa não pode dizer: “Amanhã se usará o álcool para batizar as
crianças ou o leite.” Ele não pode mais mudar essencialmente a forma.
Há palavras essenciais; por exemplo não se pode dizer: “Eu te batizo em
nome de Deus”, pois o próprio Cristo fixou a forma: “Vós batizareis em
nome do Padre e do Filho e do Espírito Santo.”
O
sacramento da confirmação é igualmente mal-administrado. Uma fórmula
corrente hoje é: “Eu te assinalo com a Cruz e recebe o Espírito Santo.”
Mas o ministro não precisa então qual é a graça especial do sacramento
pelo qual se dá o Espírito Santo e o sacramento é inválido.
Por
isso eu respondo sempre aos pedidos dos pais que têm uma dúvida sobre a
validez da confirmação recebida por seus filhos ou que temem fazê-la
administrar-lhes duma maneira inválida, vendo o que sucede em torno
deles. Os cardeais diante dos quais eu me devi explicar em 1975 me
censuraram por isto, continua-se desde então a publicar comunicados
reprovadores a cada uma das minhas viagens. Eu expliquei por que
procedia assim. Eu concordo com o desejo dos fiéis que me pedem a
confirmação válida mesmo se ela não é lícita, porque nós estamos num
tempo no qual o direito divino natural e sobrenatural prevalece sobre o
direito positivo eclesiástico quando este se opõe ao primeiro em lugar
de lhe ser o canal. Estamos numa crise extraordinária e não se deve
admirar de que eu adote por vezes uma atitude que se afasta da
ordinária.
A
terceira condição de validade do sacramento é a intenção. O bispo ou o
sacerdote deve ter a intenção de fazer o que quer a Igreja. O próprio
Papa também não pode mudá-lo.
A
fé do sacerdote não é um elemento necessário; um sacerdote ou um bispo
pode já não ter fé; outro pode ter menos fé e outro, uma fé não
totalmente íntegra. Isto não tem uma influência direta na validade dos
sacramentos, mas pode ter uma influência indireta. Lembremos o Papa Leão
XIII que proclamava que todas as ordenações anglicanas não eram válidas
por falta de intenção. Isto porque tinham perdido a fé, que não é
somente a fé em Deus, mas a fé em todas as verdades contidas no Credo,
inclusive “Credo in unam sanctam catholicam et apostolicam Ecclesiam”,
quer dizer, “Creio na Igreja que é una”; por isso, os anglicanos não
podem fazer o que quer a Igreja.
Não
ocorrerá o mesmo com os padres que perdem a fé? Já vemos como alguns
não celebram o sacramento da Eucaristia conforme a definição do Concílio
de Trento. “Não — dizem estes sacerdotes — há muito tempo que se
realizou o Concílio de Trento. De lá para cá, já tivemos o Vaticano II.
Hoje é a transignificação, a transfinalização. Transubstanciação? Não,
isto não existe mais. A presença real do Filho de Deus sob as espécies
do pão e do vinho? Ora, não mais no nosso tempo!”
Quando
um sacerdote diz isto, a consagração é inválida. Não há missa nem
comunhão. Pois os cristãos são obrigados a crer, até o fim dos tempos, o
que definiu o concílio de Trento sobre a Eucaristia. Podem-se tornar
mais explícitos os termos de um dogma, porém não se podem mudar, isto e
impossível. O concílio Vaticano II não acrescentou nem tirou nada;
aliás, não o poderia ter feito. Porém aquele que declara não aceitar a
transubstanciação está, segundo os termos do próprio concilio de Trento,
anatematizado e, portanto, separado da Igreja.
É por esta razão que os católicos deste fim do século XX têm a obrigação de ser mais vigilantes que seus pais.
Dom Marcel Lefebvre
Dom Marcel Lefebvre