MEMÓRIAS DA IRMÃ LÚCIA - QUARTA MEMÓRIA
I. RETRATO DE FRANCISCO
1. Espiritualidade
Vou, pois, começar, Ex.mo e Rev.mo Senhor Bispo, por escrever
o que o bom Deus me queira fazer lembrar do Francisco. Espero
que Nosso Senhor lhe faça conhecer, no Céu, o que a seu respeito
escrevo na terra, para que, junto de Jesus e Maria, interceda por
mim, em especial nestes dias.
A amizade que me unia ao Francisco era apenas a de parentesco e a que consigo traziam as graças que o Céu se dignava conceder-nos.
O Francisco não parecia irmão da Jacinta senão nas feições
do rosto e na prática da virtude. Não era, como ela, caprichoso e
vivo; era, ao contrário, de natural pacífico e condescendente.
Quando, nos nossos (jogos) e brincadeiras, algum se empenhava
em negar-lhe os seus direitos por ter ganhado, cedia sem
resistência, limitando-se a dizer apenas:
– Pensas que ganhaste tu? Pois sim! A mim isso não me importa.
Não manifestava, como a Jacinta, a paixão pela dança; gostava
mais de tocar o pifarito, enquanto os outros dançavam.
Nos jogos, era bastante animado, mas poucos gostavam de
jogar com ele, porque perdia quase sempre. Eu mesma confesso
que simpatizava pouco com ele, porque o seu natural pacifico
excitava, por vezes, os nervos da minha demasiada vivacidade.
Às vezes, pegava-lhe por um braço, obrigava-o a sentar-se no chão
ou em alguma pedra, mandava-lhe que estivesse quieto e ele
obedecia-me, como se eu tivesse uma grande autoridade. Depois,
sentia pena, ia buscá-lo pela mão e vinha com o mesmo bom humor, como se nada tivesse acontecido. Se alguma das outras crianças porfiava em tirar-lhe alguma coisa que lhe pertencesse, dizia:
– Deixa lá! A mim que me importa?
Recordo que chegou, um dia, a minha casa com um lenço do
bolso, com Nossa Senhora de Nazaré pintada, que dessa praia
acabavam de lhe trazer. Mostrou-mo com grande alegria e toda
aquela criançada o veio admirar. De mão em mão, a poucos instantes, o lenço desapareceu. Procurou-se, mas não se encontrava.
Pouco depois, descobri-o no bolso dum outro pequeno. Quis-lho
tirar, mas ele porfiava que era dele, que também Iho tinham trazido
da praia. Então, o Francisco, para acabar com a contenda, aproximou-se, dizendo:
– Deixa-o lá! A mim que me importa o lenço?
Parece-me que, se houvesse crescido, o seu defeito principal
seria o de não-te-rales.
Quando, aos 7 anos, comecei a pastorear o meu rebanho, ele
pareceu ficar indiferente. Lá ia, à noite, esperar-me com a sua
irmãzinha, mas parecia ir mais para lhe fazer a vontade que por
amizade. Iam esperar-me no pátio de meus pais. E enquanto a
Jacinta corria a meu encontro, logo que sentia os chocalhos do
rebanho, ele esperava-me sentado nuns degraus de pedra que
havia em frente da porta de casa. Depois, lá ia connosco, para a
velha eira, a brincar, enquanto esperávamos que Nossa Senhora e
os Anjos acendessem as Suas candeias. Animava-se também a
contá-las, mas nada o encantava tanto como o lindo nascer e
pôr-do-sol. Enquanto deste se avistava algum raio, não investigava
se já havia alguma candeia acesa.
– Nenhuma candeia é tão bonita como a de Nosso Senhor –
dizia ele à Jacinta que gostava mais da de Nossa Senhora, porque,
dizia ela, não faz doer a vista.
E entusiasmado seguia com a vista todos os raios que,
dardejando nos vidros das casas das aldeias vizinhas ou nas gotas
de água espalhadas nas árvores e matos da serra, (os) faziam
brilhar como outras tantas estrelas, a seu ver mil vezes mais bonitas
que as dos Anjos.
Quando, com tanta insistência, pediu à mãe que o deixasse ir
com o seu rebanho para andar comigo, era mais bem por fazer a
vontade à Jacinta que gostava mais dele que de seu irmão João.
Um dia que a mãe, já pouco contente, lhe negava essa licença,
respondeu com a sua paz natural:
– A mim, minha Mãe, pouco me importa. A Jacinta é que quer
que eu vá.
Em outra ocasião, confirmou isto mesmo. Veio a minha casa
uma das minhas antigas companheiras convidar-me para ir com
ela, pois tinha, para esse dia, uma boa pastagem. Como o dia se
apresentava fosco, fui a casa de minha tia perguntar se ia o Francisco com a Jacinta ou se ia seu irmão João, porque, no caso de ir este último, preferia a companhia da outra antiga companheira.
Minha tia tinha já decidido que, aquele dia, por estar de chuva, ia
o João. Mas o Francisco quis ir ainda junto da mãe fazer uma nova
insistência. Ao receber um não, seco e sacudido, respondeu:
– A mim, tanto me dá. A Jacinta é que tem mais pena.
Este blogue é tradicional e também fiel á verdadeira Religião Una, Católica, Apostólica, Romana e tem por objectivo a divulgação da Missa Tridentina em Portugal e no Brasil,e preservar a sua Doutrina original. Dedico este blog á Virgem Santíssima, ao Sagrado Coração de Jesus,a São José e as Almas do Purgatório,como reconhecimento e gratidão por me terem tirado do Paganismo. Evangelização Tradicional e Apostolado de Oração no Porto.