MEMÓRIAS DA IRMÃ LÚCIA
EM TORNO DA FISIONOMIA LITERÁRIA DE LÚCIA
De toda a historiografia sobre Fátima, deve dizer-se aquilo que,
entusiasmado com o seu livro, escrevia o escritor Antero de
Figueiredo: «Mas a luz deste livro, a grande luz, a luz bela, essa foi
recebida directa, da alma cândida e profunda, admiravelmente simples, da vidente Lúcia de Jesus.»
Comecemos por dizer que os escritos de Lúcia sempre se ressentiram da sua falta de formação cultural suficiente. Mas, o que
noutros teria sido um defeito irreparável, em Lúcia foi suprido pelos seus grandes dotes naturais. Lúcia confessa singelamente e muitas vezes a sua «incapacidade e insuficiência» chegando a dizer
literalmente: «Nem sequer a caligrafia sei fazer capazmente». Contudo, essas faltas de correcção ortográfica não impedirão nunca
uma síntese clara e definida, atingindo, por vezes, uma redacção
elegante e firme.
Os seus dotes literários poderiam resumir-se assim: clareza e
precisão de conceitos; sentimentos delicados e profundos; uma
rica imaginação; um bom humor artístico que dá graça ao relato,
uma ironia delicada que nunca fere; uma extraordinária memória
para fixar detalhes e circunstâncias; os diálogos vêm-Ihe de dentro,
como se as pessoas estivessem presentes. Contempla imaginariamente a paisagem, como se a estivesse gozando. Sabe descrever os caracteres dos primos, dos confessores, dos seus personagens em geral, com rasgos que manifestam uma penetração
psicológica não comum. Dá-se conta perfeitamente das suas divagações e sabe voltar, com graça, ao ponto de partida.
É verdade que, por vezes, o estilo podia ressentir-se menos
das suas leituras piedosas, amenas e religiosas. Mas a sua naturalidade, vivacidade e alegria, sempre acabam por triunfar. Quem não recorda a sua despedida nocturna dos lugares queridos das Aparições, na véspera da sua partida para o Porto? Como não
admirar a graça com que se fixa nos sapatos, com fivelas de prata,
de tal cónego? Como não sentir-se arrebatado pela transcrição
daquelas «Cantigas de Serrana»?
Lúcia sabe dizer o que quer e di-lo como quer. E é tal a posse
interior, que consegue conjugar as ocupações servis absorventes
com o trabalho de redacção dos seus escritos, sem perder o fio da
narração ordenada, nem a lógica das suas reflexões. Isto não pode
dar-se senão quando se possui um grande equilíbrio de alma.
Lúcia, na verdade, «sente-se inspirada» ao escrever; assim o diz em várias ocasiões... Mas, por favor, não pode tomar-se essa
expressão em sentido rigoroso, no género profético, como o fez
algum crítico quezilento; é sua convicção de que uma presença
especial de Deus está sobre ela nos momentos de redacção. Sente-
se, pois, ...«assistida» por Deus ao escrever. Mas uma leitura
atenta mostra claramente que Lúcia não toma essas expressões
no seu sentido rigoroso. É ela própria que, respondendo expressamente a isso, declara: «A palavra “inspirados” quer dizer que, interiormente, nos sentíamos movidos a isso.»
Não se trata, pois, de uma «inerrância» semelhante à da Sagrada
Escritura. Lúcia pode enganar-se na tradução mística das
suas experiências, por causa da dificuldade própria de «interpretação». Algumas vezes, ela mesma duvida se será o Senhor quem Ihe fala; outras, confessa que é impossível revelar algo do percebido na graça mística. De facto, uma crítica inteligente encontraalguns erros meramente acidentais de datas, de factos, de circunstâncias. E até na própria ocasião de assegurar-nos que nostransmite «ipsissima verba» as mesmas palavras da Virgem, isso não significa senão que, na verdade, ela põe nisso toda a sua sinceridade.
Daquilo que Lúcia está sempre segura – e assim o diz – é do sentido do que transmite.
Quanto a datas, é já conhecida a insegurança de Lúcia. Umas
vezes porque, de pequenos, ela e seus primos não sabiam contar
nem os dias, nem muito menos os meses, não digamos os anos.
Assim, Lúcia não se recorda das datas das aparições do Anjo, e
tem que recordá-las aproximadamente pelas estações que, estas
sim, se Ihes gravavam bem aos pequenos serranitos. Mas a principal razão desta falta de memória cronológica está, certamente, no carácter realista das recordações de Lúcia, sempre dirigida ao essencial.
Além disso, o leitor não deve esquecer, na leitura das Memórias
de Lúcia, uma regra geral de interpretação das traduções que os místicos fazem das suas experiências do sobrenatural: trata-se sempre de «traduções» nas quais não é necessário admitir
que tudo, literalmente, corresponda às locuções divinas. Isso não
quer dizer, por outro lado, que, se a alguém se deve dar crédito sobre esses fenómenos maravilhosos, não seja, naturalmente, àquele que os experimentou.
Queremos fazer uma última advertência, para que o leitor entre
mais bem preparado na leitura destas páginas maravilhosas. É
necessário distinguir entre aquilo que a Irmã Lúcia nos apresenta
como Mensagem do Céu e aquilo que ela mesma nos apresenta
como «reflexão» ou «interpretação sua». O primeiro, embora dentro das dificuldades da tradução mística, oferece maiores garantias de veracidade que o segundo. Importa supor que, se Deus
apresentou uns sinais tão evidentes para fazer conhecer a Sua
presença nos acontecimentos de Fátima, também interveio de um
modo especial para que a «Sua» Mensagem, através da Virgem,
fosse bem traduzida pelos videntes para isso escolhidos. Algo de
parecido ao que dizemos sobre a Igreja – se Deus entregou à Sua
Igreja uma Mensagem de salvação, há que, pelo menos, aceitar
que A dotou de um carisma de verdade, para que nos transmita
essa Mensagem de uma maneira infalível.
Mas Lúcia apresenta-se muitas vezes como «reflectindo» sobre
as palavras e os acontecimentos... certamente é um intérprete
privilegiado, mas sempre e apenas «um» intérprete. Portanto, neste
terreno, as palavras da Irmã Lúcia já não têm razão para exigir
aquela assistência especial que reclamamos para o primeiro caso.
Este blogue é tradicional e também fiel á verdadeira Religião Una, Católica, Apostólica, Romana e tem por objectivo a divulgação da Missa Tridentina em Portugal e no Brasil,e preservar a sua Doutrina original. Dedico este blog á Virgem Santíssima, ao Sagrado Coração de Jesus,a São José e as Almas do Purgatório,como reconhecimento e gratidão por me terem tirado do Paganismo. Evangelização Tradicional e Apostolado de Oração no Porto.